"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

domingo, 4 de maio de 2014

ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E SEUS FUNDAMENTOS


Preceitua a Constituição Federal:

Art. 1º - A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político.

Parágrafo único - Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

Do entendimento do artigo transcrito verificamos o nome e sobrenome desse país chamado Brasil.

Fez o legislador constituinte de 1988 uma opção, qual seja, somos uma República (coisa pública). Assim nas palavras de Geraldo Ataliba, lembradas pelo Prof. Nagib Slaibi Filho, “a simples menção ao termo república já evoca um universo de conceitos, intimamente relacionados entre si, sugerindo a noção do princípio jurídico que a expressão quer designar. Dentre tais conceitos, o de responsabilidade é essencial. Regime republicano é regime de responsabilidade. Os agentes públicos respondem pelos seus atos. Todos são assim, responsáveis”.

Outras características de nossa República são as seguintes: alternância do exercício do poder, pela temporariedade de exercício do poder e pelo regime representativo. Ao contrário, na monarquia se considerava que o Poder Político decorria tão e somente do soberano, não respondendo o mesmo por seus atos e sendo vitalício nas suas funções.

Também optou o legislador constituinte de 88 pela forma federativa de Estado, ou seja, mais de um nível de Poder, representado pelos seus entes: União, Estados e Municípios, que além de caracterizar uma descentralização política e administrativa, “fraciona” o exercício do Poder soberano do Estado. Cada ente da federação tem suas competências delimitadas no texto constitucional, garantindo um maior controle da sociedade sobre o exercício e os exercentes do Poder Político.

Também na redação do art. 1º, os constituintes optaram pela consagração nome Brasil. Denominação conhecida mundialmente e formada no caminhar histórico da formação de sua unidade territorial. Creio que não há muito que acrescentar que não seja do conhecimento de todos, a origem do nome Brasil já nos foi apresentada desde o início de nossos estudos, ainda no 1º grau.

Prosseguindo no entendimento do artigo primeiro, observamos que esse Brasil é formado pela “união indissolúvel” dos entes que compõem a federação. De maneira sucinta podemos afirmar que quis o legislador originário preservar a integridade nacional, impedindo qualquer hipótese de divisão territorial e política, não aceitando outra soberania em solo brasileiro.

Prevê ainda o artigo transcrito, que o Brasil constitui-se em um Estado Democrático de Direito.

A palavra rechtsstaat, correspondente a Estado de Direito, aparece no início do século XIX no direito constitucional alemão. No dizer do professor português José Joaquim Gomes Canotilho, talvez o maior constitucionalista vivo, “o Estado de Direito começou por ser caracterizado, em termos muito abstratos, como ‘Estado da Razão’, ‘estado limitado em nome da autodeterminação da pessoa’. No final do século, estabilizaram-se os traços jurídicos essenciais deste Estado: o Estado de Direito é um Estado Liberal de Direito. Contra a ideia de um Estado de Polícia que tudo regula e que assume como tarefa própria a prossecução da ‘felicidade dos súditos’, o Estado de Direito é um Estado Liberal no seu verdadeiro sentido”.

Portanto, a origem do Estado de Direito reside nos ideais dos Estados liberais, sofrendo salutar mitigação em seu sentido originário com o surgimento dos ideais sociais, reproduzidos através nas chamadas Constituições sociais a partir do inicio do século XX.

A proposta sumária de apresentação dessa análise, entretanto, faz com que a abordagem seja a mais direta e clara possível, assim, num conceito formal podemos dizer que Estado de Direito “Implica na constituição de Estados limitados pelas regras jurídicas que marcam seu fundamento…a doutrina reconhece, internacionalmente, o Estado de Direito como aquele no qual a legalidade é critério observado pelo exercício do poder” ( Júlio Aurélio Vianna Lopes )

Quanto a opção por ser um Estado Democrático, Nagib afirma que “a Constituição é, talvez, redundante, no emprego da expressão ‘Estado Democrático de Direito’, porque já estão indissociáveis as idéias de prévia regulamentação legal e democracia”.

Para os mais formais, Aurélio Buarque de Holanda Ferreira define em seu dicionário da língua portuguesa a palavra democracia da seguinte forma: “Doutrina ou regime político baseado nos princípios da soberania popular e da distribuição equitativa do poder, ou seja, regime de governo que se caracteriza em essência, pela liberdade eleitoral, pela divisão dos poderes e pelo controle da autoridade”.

É o conceito de democracia um dos mais difíceis de ser formulado, existindo inúmeras visões e teorias quanto a sua elaboração, visto estar ligado diretamente aos valores ideológicos de quem o formule.

Reafirmando a idéia inicial de Nagib, sobre o Estado constitucional democrático afirma Canotilho: “O Estado Democrático é ‘mais’ do que Estado de Direito. O elemento democrático não foi apenas introduzido para ‘travar’ o poder (to check the power); foi também reclamado pela necessidade de legitimação do mesmo poder (to legitimize State power).

Se quisermos um Estado constitucional assente em fundamentos metafísicos, temos de distinguir claramente duas coisas:

(1) uma é a legitimação do direito, dos direitos fundamentais e do processo de legitimação do sistema jurídico;

(2) outra é a da legitimação de uma ordem de domínio e da legitimação do exercício do poder político.

O Estado ‘impolítico’ do Estado de Direito não dá resposta a este último problema: donde vem o poder. Só o princípio da soberania popular segundo o qual ‘todo poder vem do povo’ assegura e garante o direito à igual participação na formação democrática da vontade popular. Assim, o princípio da soberania popular concretizado segundo procedimentos juridicamente regulados serve de ‘charneira’ entre o ‘Estado de Direito’ e o ‘Estado Democrático’ possibilitando a compreensão da moderna fórmula Estado de Direito Democrático”.

Por conclusão afirma-se que O Brasil é um Estado de Direito porque possui nas leis a limitação do exercício do poder político e, é um Estado Democrático porque o poder político é subordinado a soberania popular.

Prosseguindo na análise do artigo vestibular da Constituição, lê-se que esse Estado Democrático de Direito possui alguns fundamentos expressos e numerados, não exaustivos, entretanto, quanto a outros princípios existentes na própria Constituição.

São fundamentos destacados:


I – Soberania

A expressão deve ser analisada sob duas óticas, vez que a soberania pode ser considerada o principal atributo da existência do próprio Estado.

Sob o ponto de vista interno, é a afirmação da existência de um só Poder, insubordinado a qualquer outro poder ou organização, é a própria existência de um Estado que se faz presente pela efetividade das leis, dos atos administrativos e das decisões judiciais. “Se o exercício do poder é condicionado, não é poder soberano”.

Observe a afirmação quanto a existência de um só Poder, havendo, todavia, a divisão (horizontal) dos Órgãos do Poder para o exercício de suas funções (Legislativo, Executivo e Judiciário). Importante tal observação, para que seja compreendido desde logo que o Poder Político não se divide, é uno e soberano e indelegável de regra, o que existe verdadeiramente é a divisão de suas funções, exercida pelos Órgãos desse Poder.

Sob o ponto de vista externo, é a representação da soberania do povo brasileiro nas relações com outras soberanias. É a manifestação da vontade nacional nas questões internacionais, de forma livre e incondicionada a qualquer outro Estado.


II – Cidadania

Conceitualmente é o exercício pleno de vários tipos de direitos civis, políticos e sociais. Também no mesmo sentido amplo, são os deveres que regem e definem a situação dos habitantes do Brasil.

É a cidadania o conjunto de direitos e liberdades políticas sociais e econômicas, já estabelecidos ou não pela legislação. Nas palavras de Dalmo de Abreu Dallari, “a cidadania expressa um conjunto de direitos que dá à pessoa a possibilidade de participar ativamente da vida e do governo de seu povo. Quem não tem cidadania está marginalizado ou excluído da vida social e da tomada de decisões, ficando numa posição de inferioridade dentro do grupo social”.



III – Dignidade da pessoa humana

Valores que vão além do querer do indivíduo, valores intocáveis e assegurados na Constituição para um efetivo exercício do Estado Democrático de Direito.

O respeito à condição humana deve ser superior a qualquer outro interesse do Estado, que deve se subordinar e adequar a esse querer constituinte. É fundamento, portanto, não pode ser tratado de maneira secundária.

Da mesma forma que condenados custodiados pelo Estado devem receber tratamento digno e superior ao mínimo aplicado aos animais de um zoológico, também os idosos não devem estar subordinados aos desarranjos administrativos que por vezes os colocam com aposentadorias aviltantes ou abandonados em filas de recadastramento em pleno sol de meio dia, ainda, a dignidade de estar presente desde a condução em transportes coletivos para os deficientes físicos até a recepção numa delegacia policial de um cidadão que tenha sofrido um atentado.

Em suma, no dizer simples de Willian Lofy, “podemos dizer que a Dignidade da Pessoa Humana está na qualidade intrínseca e indissociável de todo ser humano, por este ser titular de direitos e deveres fundamentais, que, sendo respeitados e assegurados pelo Estado, proporcionam condições mínimas para uma vida digna em harmonia com os demais seres humanos”.


IV – Valores sociais do trabalho e da livre iniciativa

As atividades produtivas devem cumprir seu papel social, deve prestigiar a própria existência da propriedade e dos frutos que possam advir dessa opção, mas nunca pode se sobrepor a cidadania e a dignidade humana, muito pelo contrário, sendo parte integrante do próprio exercício desses direitos.

Por ser uma função de suma importância ao desenvolvimento do país e por ser a fonte de subsistência dos membros da sociedade, este princípio está inserido como norma fundamental de estruturação da sociedade brasileira em que é protegido o trabalho em todas as suas escalas (empregado, empregador, etc...).

É através do trabalho que se fomenta o crescimento da sociedade e da prosperidade coletiva e através da livre iniciativa que optou o constituinte para o desenvolvimento, bem estar e justiça social.



V – Pluralismo político

Pode ser resumido pelo respeito e direito a manifestações de todas as manifestações ideológicas e sua convivência no campo democrático. Não há veto ou censuras ao livre pensar e a manifestação, desde que não atentatórias a própria existência da democracia ou aos princípios fundamentais consagrados em todo o texto constitucional.

É o princípio que garante a todas as pessoas o direito de participar do destino político de país, em que todos são livres para manifestar suas concepções filosóficas e políticas, tendo a liberdade de se organizar ou de participar de algum partido político.



Reafirmando e ressaltando o princípio democrático (governo do povo e pelo povo) contido o caput do art. 1º, optou o povo brasileiro pela democracia representativa indireta como regra, onde o Poder Político é exercido em seu nome (titulares do Poder Político) através de seus representantes (exercentes), escolhidos e legitimados através de processos eleitorais.

Inobstante a fórmula principal escolhida, consagra o texto constitucional também a participação popular no exercício do poder pela via direta, nos termos previstos na própria Constituição, prevendo tal manifestação através do plebiscito, do referendo e da iniciativa popular na propositura de leis, institutos que serão objetos de apreciação em outra oportunidade.

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