"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

A aplicabilidade das normas constitucionais


É inegável que o mandamento normativo deve ser vigente e eficaz. Contudo, nem sempre isto é possível, podem ocorrer casos em que o regramento precise de uma complementação para ser aplicável ou para melhorar sua concreção. Daí a existência de diferentes tipos de normas constitucionais.

A Constituição foi idealizada pelos juristas para ser a norma mais importante do Estado, a qual todos devem obediência, inclusive os governantes. Por esta razão, sua aplicabilidade é muito estudada, visto que, teoricamente, esta só atingirá sua finalidade quando todos a respeitarem, ou em outras palavras, a cumprirem.

Neste ponto, cabe esclarecer que este tema também envolve uma de suas classificações, quanto à estabilidade. Segundo critérios de estabilidade das Constituições, dividem-se em: Rígidas – aquelas que seu processo de mutação é extremamente rigoroso, tendo procedimento específico para sua elaboração e alteração, o qual difere dos demais processos legislativos; Flexíveis – as que não possuem este procedimento, podendo ser alteradas de forma simplificada, até mesmo pela edição de uma nova lei e Semi-Rígidas – que possuem parte de seu texto tratado de forma rígida e outra de maneira flexível.

Sendo assim, só é possível falar da aplicabilidade das normas constitucionais quando se tratar das Constituições rígidas, posto que as normas inferiores devam obedecer aos parâmetros estabelecidos por aquela. Em verdade, esta espécie é extremamente formal, posto que as exigências de sua alteração sejam muito rigorosas, dificultando sua mutação.

 A doutrina jurídica ensina que a análise de qualquer norma envolve vários aspectos, dentre eles destacam-se: vigência e eficácia. Aqui é onde se aprofundará a discussão deste capítulo, posto que o Direito Constitucional estabelecesse regras para o tratamento das normas constitucionais, regulamentando uma matéria por demais tormentosa: a sua aplicabilidade.

É inegável que o mandamento normativo deve ser vigente e eficaz. Contudo, nem sempre isto é possível, podem ocorrer casos em que o regramento precise de uma complementação para ser aplicável ou para melhorar sua concreção. Daí a existência de diferentes tipos de normas constitucionais.

O constituinte, sabendo das dificuldades desta atividade, previu um remédio constitucional para auxiliar neste ponto: o Mandado de Injunção. Esta espécie processual restringe sua atuação a auxiliar a aplicação da norma constitucional ao caso concreto, mais especificamente quando este procedimento depender da existência de normas infraconstitucionais.

Em regra, toda norma deve ser vigente e eficaz, posto que as normas sejam criadas para que a Sociedade as aplique nos fatos do cotidiano a fim de propiciar a continuidade da convivência entre os “homens”. Partindo dessa premissa, é que se originaram as teorias que classificam as normas constitucionais quanto a sua aplicabilidade.

Quando se fala em eficácia, faz-se necessário diferenciar a eficácia jurídica da eficácia social. Na visão de Luís Roberto Barroso, a eficácia jurídica está relacionada à produção dos efeitos jurídicos, ou seja, esta conectada a satisfação de todos os seus elementos: regulação do cotidiano da sociedade, regular os atos que podem ocorrer entre os indivíduos, entre estes e o Estado e vice-versa. Por esta visão, a eficácia jurídica está ligada à aplicabilidade, executoriedade e exigibilidade das normas. Conclui-se, então, que a norma poderá ter eficácia jurídica sem ter a eficácia social ou o contrário, pois os sentidos estão apartados.

De fato, a principal diferença entre ambas é que a eficácia social só é alcançada quando a maioria da comunidade a quem esta norma é dirigida a cumpre, enquanto que a outra basta cumprir com exigências formais para sua satisfação.

Ao estudar esta matéria, contata-se que existem várias teorias a este respeito, pois que a regulação de um Estado não é tarefa fácil, por englobar vários fatores, exigindo do legislador a adoção de diversas posturas ao tratar dos mais diversos temas. A verdade é que ainda não há um consenso doutrinário sobre o que vem a ser a eficácia das normas.

Por isso, serviu de inspiração para vários doutrinadores criarem propostas de classificação dessas tendo em vista as suas características. Ao chegar a este ponto, precisa-se esclarecer que ainda não é possível afirmar que uma classificação é correta em detrimento das outras, mas apenas que algumas delas já foram superadas e outras estão mais bem enquadradas no pensamento do constitucionalismo contemporâneo.

Sobre as normas constitucionais, admite-se que todas gozam de eficácia, pelo menos a jurídica, porém diferenciando-se quanto à social, haja vista algumas delas dependerem de regulamentação infraconstitucional para só então atingirem a sua finalidade: a efetivação.

Marcelo Alexandrino e Vicente de Paulo (2010, p. 59) abordam em sua obra a visão de Ruy Barbosa sobre as normas constitucionais:

Da constatação dessas diferenças, Ruy Babosa, inspirado na doutrina norte-americana, já enquadrava as normas constitucionais em dois grupos:

a) Normas “autoexecutáveis” (self-executing; self-enforcing; self-acting) preceitos constitucionais completos, que produzem seus plenos efeitos com a simples entrada em vigor da Constituição; e

b) normas “não autoexecutáveis” (not self-executing; not self-enforcing provisions ou not self-acting), indicadoras de princípios, que necessitam de atuação legislativa posterior, que lhes dê plena aplicação.

Além dessa classificação, existe a do Professor José Afonso da Silva, a qual a maioria da doutrina e da jurisprudência pátria adotou no que pertence à forma de encarar as normas constitucionais quanto a sua eficácia e aplicabilidade.

Classificação Tricotômica.

Na obra de Alexandre Moraes este doutrinador, de acordo com o critério de José Afonso da Silva, que separou as normas constitucionais em três espécies: normas de eficácia plena, contida e limitada. Por esta divisão, tal entendimento é conhecido como teoria tricotômica.

Normas de Eficácia Plena.

A primeira espécie é composta por aqueles dispositivos normativos que necessitam apenas da sua publicação para adquirirem vigência e eficácia, posto que já estejam aptos a produzirem os seus efeitos. Alexandre de Moraes (2007, p. 7) ensina que este tipo é composto por: quelas que, desde a entrada em vigor da Constituição, produzem, ou têm possibilidade de produzir, todos os efeitos essenciais, relativamente aos interesses, comportamentos e situações, que o legislador constituinte direta e normativamente, quis regular. (por exemplo: os remédios constitucionais).

Essas normas não possuem a necessidade de regulamentação posterior, por não dependerem de complementação, ou algo que defina o seu conteúdo. Isto só é possível devido à característica de exprimirem a finalidade que querem alcançar de forma direta e clara, sem obstáculos. Observa-se que tais normas não deixam lacunas para questionamentos. Com isso, podem ser consideradas normas de aplicabilidade direta, imediata e integral.

A Constituição Federal de 1988 possui alguns exemplos, como é o caso dos artigos 18 e 25:

Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.

Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição.  

Neste caso, a forma mais simples de interpretação, a literal, já é suficiente para demonstrar que estes regramentos não dependem de mais nada para serem aplicados.

Normas de Eficácia Contida.

Outro tipo desta classificação são as normas constitucionais de eficácia contida, que embora possuam também aplicabilidade com a publicação da norma, caracterizam-se pela necessidade de regulamentação por norma infraconstitucional posterior a fim de equilibrarem a sua eficácia. Portanto, são aquelas que geram efeitos imediatos, mas com o decorrer do tempo podem sofrer restrições.

O ínclito doutrinador José Afonso da Silva (apud, Moraes, 2007, p. 7) as define como: aquelas em que o legislador constituinte regulou suficientemente os interesses relativos à determinada matéria, mas deixou margem à atuação restritiva por parte da competência discricionária do Poder Público, nos termos que a lei estabelecer ou nos termos de conceitos gerais nelas anunciados.

Nestes termos, podem ser consideradas como normas constitucionais dotadas de aplicabilidade direta, imediata, porém não integral, pois estão submetidas a limitações que restringem a sua eficácia e aplicabilidade. Estas limitações podem ser determinadas tanto pelo legislador infraconstitucional como por outras normas constitucionais, devido o decurso de sua utilização.

Este jurista ainda destaca as suas peculiaridades, de acordo com José Afonso da Silva (apud Paulo; Alexandrino. 2010. ps. 60,61):

a) são normas que, em regra, solicitam a intervenção do legislador ordinário, fazendo expressa remissão a uma legislação futura; mas o apelo ao legislador ordinário visa a restringir-lhes a plenitude da eficácia, regulamentando os direitos subjetivos que delas decorrem para os cidadãos, indivíduos ou grupos;

b) enquanto o legislador ordinário não expedir a normação restritiva, sua eficácia será plena; nisso também diferem das normas de eficácia limitada, de vez que a interferência do legislador ordinário, em relação a estas, tem o escopo de lhes conferir plena eficácia e aplicabilidade concreta e positiva;

c) são de aplicabilidade direta e indireta, visto que o legislador constituinte deu normatividade suficiente aos interesses vinculados à matéria de que cogitem;

d) algumas dessas normas já contêm um conceito ético juridicizado (bons costumes, ordem pública etc.) com valor societário ou político a preservar, que implica a limitação de sua eficácia;

e) sua eficácia pode ainda ser afastada pela incidência de outras normas constitucionais, se ocorrerem certos pressupostos de fato (estado de sítio, por exemplo).

As normas de eficácia contida exigem, em regra, a atuação do legislador ordinário reclamando uma legislação futura. Mas, essa atuação não será para tornar a norma exercitável, mas apenas para restringir sua atuação no exercício do direito.

Um bom exemplo de norma constitucional de eficácia contida é o artigo 5º, inciso XII da Magna Carta:

Art. 5, XII – é livre o exercício e qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;

Neste dispositivo a postura adotada pelo constituinte foi diferente, pois deixa claro que o direito ali tratado pode ser exercido de imediato, salvo nos casos em que já existir lei para o caso, ocasião em que esta deverá ser aplicada para tratar dos casos nela previstos.

Normas de Eficácia Limitada.

Esta espécie diferencia-se das outras pelo fato de que a simples publicação do texto normativo não é capaz de produzir qualquer efeito, necessitando da atuação do legislador, a fim de que elabore norma que estabeleça parâmetros para o seu conteúdo.

Então, pode-se dizer que são normas que o legislador constituinte não dotou de normatividade suficiente. Para melhor compreensão, o mestre José Afonso da Silva (apud, Moraes, 2007, p. 7) explica com maior clareza: “aplicabilidade indireta, mediata e reduzida, porque somente incidente totalmente sobre esses interesses, após uma normatividade ulterior que lhes desenvolva a aplicabilidade”

Destaque-se que o renomado professor ainda classifica estas normas em: as definidoras de princípio institutivo ou organizativo e as definidoras de princípio programático. O traço distintivo daquelas é que são utilizadas pelo constituinte para estabelecer estruturas ou atribuições de órgãos, instituições ou entidades, para que futuramente possam ser definidas mediante lei. No que tange às programáticas, sabe-se que não dependem apenas da elaboração da norma posterior, mas, principalmente, do adimplemento das condições necessárias para sua efetivação. Para facilitar a compreensão, é como se o Estado tivesse o planejamento de executar uma ação, mas para isto deveria desenvolver várias etapas, onde todas elas estariam previstas em lei e o início da posterior dependesse da execução total da anterior.

O ínclito Jorge Miranda (apud, Moraes, 2007, p. 7) explica as normas programáticas da seguinte forma: são de aplicação diferida, e não de aplicação ou execução imediata; mais do que comandos-regras, explicitam comando-valores; conferem elasticidade ao ordenamento constitucional; têm como destinatário primacial – embora não único – o legislador a cuja opção fica a ponderação do tempo e dos meios em que vêm a ser revestidas de plena eficácia (e nisso consiste a discricionariedade); não consentem que o cidadão as invoquem já (ou imediatamente após a entrada em vigor da Constituição), pedindo aos tribunais o seu cumprimento só por si, pelo que pode haver quem afirme que os direitos que delas constam, máxime os direitos sociais, têm mais natureza de expectativas que de verdadeiros direitos subjetivos; aparecem, muitas vezes, acompanhadas de conceitos indeterminados ou parcialmente indeterminados.

A Constituição Federal de 1988 também possui este tipo de norma, em seus artigos 7°, XX e 173, §4°:

Art. 7, XX - Proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, no termos da lei.

Art. 173,§4° - A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.

Este estudo também rendeu outra classificação: impositivas ou facultativas. As facultativas são caracterizadas por não imporem uma obrigação, mas permitirem que o legislador ordinário pudesse instituir ou regular as situações nelas previstas. São impositivas aquelas normas que trazem uma imposição ao legislador, no sentido de terem que elaborar, obrigatoriamente, uma legislação integrativa.

As normas de eficácia limitada de princípio institutivo ou organizativo estão prescritas na Lei Maior em seus artigos 33; 92, §2° e 93:

Art. 33. A lei disporá sobre a organização administrativa e judiciária dos Territórios.

Art. 92, §2º - A lei regulará a organização e o funcionamento do Conselho da República.

Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:

Neste caso, estas normas fazem a previsão de que, posteriormente, serão necessários regulares atribuições de instituições ou agentes públicos a fim de aprimorar o funcionamento da máquina administrativa.

Classificação quanto à intangibilidade e os efeitos das Normas.

Ainda encontrou-se a classificação proposta pela Professora Maria Helena Diniz frisada por Alexandre de Moraes, que trata de dois critérios: da intangibilidade e da produção de efeitos concretos pelas normas. De acordo com esta teoria, os dispositivos se subdividem em: eficácia absoluta, eficácia plena, eficácia restringível e eficácia dependente de complementação legislativa.

As regras de eficácia absoluta são aquelas imutáveis, em que nem mesmo as emendas constitucionais podem modificá-las. Como exemplo destas pode-se citar as cláusulas pétreas, encontradas no artigo 60, §4° da Magna Carta.

Normas de eficácia plena são as que produzem seus efeitos desde a sua entrada em vigor, pois possuem todos os elementos necessários para a produção imediata dos efeitos nelas previstos. Diferencia-se das posteriores no que diz respeito à possibilidade de modificação por emendas constitucionais, porque podem ser alteradas.

A Professora Maria Helena Diniz não se distancia da opinião do Mestre José Afonso da Silva quando trata das normas de eficácia restringível, as quais se aprecem com as de eficácia contida concebidas pelo outro doutrinador. Nestes termos, pode-se afirmar que possuem aplicação imediata, tendo a sua eficácia restringida pela edição de lei posterior.

Já as normas de eficácia dependente de complementação legislativa, como o nome descreve, são aquelas que precisam da elaboração de lei posterior, as quais terão a tarefa de regulamentar o direito que aquelas prevêem, para o pleno exercício de seus dispositivos, não possuindo aplicação imediata. Assim só poderão produzir efeitos no momento em que for promulgada a legislação regulamentadora.

 Carlos Ércimo Uchoa Sales Gomes

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