"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

terça-feira, 24 de setembro de 2013

Juiz deve considerar opinião pública ao julgar

Na última sessão do Supremo Tribunal Federal, em que foi apreciada a Ação Penal 470, repercutiu o debate — ainda que respeitoso — entre os ministros Marco Aurélio e Luís Roberto Barroso.

O mais novo juiz da corte, ao sustentar sua posição foi ousado: “Faço o que acho certo, independentemente da repercussão. Não sou um juiz que me considero pautado pelo que vai dizer o jornal do dia seguinte. Sou pautado pelo que considero certo”.

Ao longo do debate, Barroso reafirmou a sua indiferença à opinião alheia: “Nós não julgamos para a multidão, nós julgamos pessoas”, acrescentando: “Eu não estou subordinado à multidão, estou subordinado à Constituição”.

A troca de conceitos havida naquela oportunidade serviu para demonstrar os princípios em que se inspiraram os dois julgadores nos votos proferidos.

A posição assumida por Marco Aurélio Mello foi no sentido de que “é preciso ter cuidado com a repercussão dessa decisão nos jovens juízes”. Foi como se tivesse a afirmar que o critério que vier a prevalecer ao final do julgamento, deverá servir de bússola aos novos magistrados quando se depararem com situação conflitante, como ocorreu na ação em julgamento.

Deste desencontro de manifestações emerge a seguinte dúvida: o que representa a opinião pública numa querela judicial? Até que ponto estará o juiz vinculado ao que pensa o homem da rua, diante dos fatos que, por se tornarem controvertidos, reclamam a palavra final do Judiciário?

Na advertência sempre atual de Rui Barbosa, “A primeira lição de moral política, que convém ao povo, é que a justiça abstrai das pessoas e paira, independente, sobre as mais altas, como sobre as mais humildes individualidades”.

Nessa primorosa reflexão, o notável baiano defendeu a existência de um permanente compromisso que o juiz tem para com o povo ao pronunciar o seu veredito. Sem esta vinculação não há como aceitar as decisões judiciais, seja qual for aquele que vier a ser atingido pela sentença proferida.

O velho refrão de que “o julgador deve ser escravo da lei”, há muito perdeu o seu significado, diante do que prescreve a Lei de Introdução ao Código Civil, ao dispor que: “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum” (artigo 5º).

Destarte, aceitar obstinadamente a proposta do ministro Barroso de que o seu compromisso é somente com a Constituição, importa em manifesto desprezo à obrigação que tem o julgador de considerar os fins sociais da norma aplicável e o que dela espera todo cidadão, para que possa atender “as exigências do bem comum”.

O Brasil, no regime militar, conviveu com duas cartas outorgadas impostas ao Judiciário, que procurava resistir aos seus ditames. Isto aconteceu num período de abastardamento das garantias democráticas, ditado pelos Atos Institucionais que acarretaram opressões iníquas e muito sangue derramado.

Como, então, admitir, na vigência da Constituição Cidadã, que Ulisses Guimarães exaltou, o desprezo pelas multidões, a indiferença pelo que será noticiado no jornal do dia seguinte.

Acolher passivamente as ilações do ministro Barroso equivale a ignorar o peso da opinião pública, decorrente de um fenômeno social, ainda que cada indivíduo esteja sendo impactado por um processo dialético oriundo das diversas fontes de informação.

Independência de juiz não está condicionada a salário

Como relator do processo do mensalão, o ministro Joaquim Barbosa ganhou merecida notoriedade pelo denodo com que se houve na condenação de infratores de reconhecido prestígio político. Daí ter o seu nome sugerido, inclusive, para a presidência da República.

Recentemente, a imprensa noticiou que Barbosa entrará no panteão dos heróis nacionais, na série infantil Pequenos, grandes brasileiros, a ser publicada, em breve, pela Thesaurus editora. A coleção tem por objetivo levantar “exemplos para a juventude”. Será o único nome contemporâneo ao lado de Juscelino Kubitschek, Santos Dumont, Barão do Rio Branco e outros.

Mas, a despeito do prestígio granjeado em todas as camadas da população, o ministro tornou-se protagonista de alguns fatos que afetaram a sua imagem de autêntico catão dos dias atuais, pelo combate enérgico a prevaricação que assola o país.

Recebeu muitas críticas devido ao tratamento ofensivo a um repórter que pretendera entrevistá-lo. Num encontro com magistrados, que sustentavam a necessidade da criação de novos tribunais federais, cortou a palavra de um juiz que tinha opinião contrária à sua.

Nas diversas altercações que teve com o ministro Ricardo Lewandowski, a sua rispidez ultrapassou a razoável dissensão que possa ocorrer num colegiado. A esta altura, o presidente do STF tornou-se pródigo em despertar reações de amor e de ódio.

Em pleno turbilhão do aguardado desfecho da Ação Penal 470, Joaquim Barbosa defendeu o reajuste dos vencimentos dos ministros em mensagem dirigida ao Congresso. Sustentou que assim procedia para adequar os contracheques de seus pares “à realidade econômica do país”.

A questão da remuneração condigna não deixa de ser relevante no exercício da prestação jurisdicional. Ocorre que suscitar essa questão após o tumulto do mês de junho, numa fase de descrença generalizada com os Poderes da República, chega a ser uma temeridade.

Com efeito, havendo uma lei sancionada em 2012, estabelecendo que o reajuste do Judiciário será de 5% ao ano, Barbosa pretende ampliar esse aumento introduzindo um acréscimo de 4,6%, além do já concedido.

A vingar sua iniciativa, os ministros do STF perceberão, a partir de janeiro de 2014, R$ 30.658,42, o que importará em uma despesa de R$ 150 milhões ao ano. Este aditamento servirá de pretexto para deputados e senadores, que reclamarão o mesmo tratamento, por se considerarem com direito ao idêntico valor pago aos ministros do STF.

Ao ilustrar sua proposta, Joaquim Barbosa alegou que em Cingapura os membros da Suprema Corte percebem US$ 1,5 milhão por ano, o equivalente a R$ 275 mil por mês.

Valendo-se da informação recebida do ministro da Justiça daquela cidade-estado, Barbosa acrescentou que ali ninguém se opõe a esses valores, pois, se o julgador “não tiver remuneração desse nível, tendo em vista suas responsabilidades altíssimas, ele não terá como exercer com independência as atribuições do seu cargo”.

A comparação entre Brasil e Cingapura foi de extrema infelicidade, considerando-se o potencial econômico daquele tigre asiático e o país onde o salário mínimo é de R$ 678.

Convenhamos que a independência com que o juiz exerce a sua atividade não está condicionada ao que lhe é pago pelo Estado; mas sim ao zelo, à seriedade e ao respeito que deva ter pela própria função em que está investido.


Celso de Mello ultrapassou os limites do debate ao votar

Não fiquei perplexo. Sempre me acautelei em relação às vicissitudes das decisões judiciais, por mais respeitáveis que sejam.

Quanto ao voto de desempate proferido na Ação Penal 470, desde as primeiras palavras do culto ministro que o proferiu, convenci-me de seu apelo à letra do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, como de sua apatia à participação popular nas diretrizes de uma sociedade.

Ao referir-se à “pressão das multidões” e ao clamor das “maiorias eventuais”, inferi o seu desprezo à expressão “vox populi vox Dei”, adotada pelos filósofos da Idade Média, e à magistral conceituação de Rousseau: “A vontade geral é a única indicada para dirigir as forças do Estado, segundo o fim de sua instituição, que é o bem comum” (“Discurso sobre a Origem das Desigualdades”, 1793).

O mencionado voto afagou o conceito do ministro Luís Roberto Barroso, emitido na sessão anterior, de que o juiz não deverá impressionar-se com a avaliação que a imprensa fizer de seu pronunciamento.

Ocorre que, entre os gregos e romanos, o povo foi reconhecido como um poder capacitado a decidir os mais importantes assuntos do Estado.

O eminente julgador, que consagrou a validade do regimento interno, poderia fazê-lo, mas sem ultrapassar os limites do debate instaurado. O confronto no deslinde dos embargos infringentes cinge-se, somente, aos votos emitidos no Tribunal e à conclusão do pronunciamento de cada votante.

Não foi o que ocorreu. O decano da Corte, ao final de seu voto, externou, desde logo, a sua adesão ao intento do réu José Dirceu em submeter a decisão final do STF ao reexame da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Segundo afirmou, desde o pacto de San José da Costa Rica, a que o Brasil aderiu, vige a obrigação do nosso país cumprir o que for decidido naquela Corte, após esgotada a jurisdição interna.

Certamente, não ocorreu ao eminente julgador a advertência feita pelo presidente daquela organização, o jurista peruano Diego García-Sayán, que aqui esteve em março passado. Indagado quanto à fortuita reforma de uma decisão condenatória imposta pelo Supremo, foi incisivo ao afastar tal correção pelo Tribunal: “A Corte Interamericana não é um tribunal penal no qual se modificam penas”.

A teor do artigo 1º de seu Estatuto, o seu “... objetivo é a aplicação e a interpretação da Convenção Americana sobre Direitos Humanos.  A Corte exerce suas funções em conformidade com as disposições da citada Convenção e deste Estatuto”.

Em face desse autorizado pronunciamento, como aderir à sugestão do ilustre ministro, no exame do cabimento dos embargos infringentes, se nenhum dos votos cogitou de um novo julgamento externo que ensejasse a reforma da decisão soberana do STF?

Não constituirá surpresa que ao final do processo, subsistindo as condenações impostas, a falange petista arguir que, como as infrações cometidas pelos réus não figuram entre os crimes hediondos (Lei 8072/90), lhes seja concedido o indulto, benefício previsto no artigo 84, XII da Constituição.

Na atualidade, tudo é possível, por mais desusada que seja a pretensão política — e não jurídica — dos inconformados com a decisão derradeira que lhes for adversa.

Aristoteles Atheniense 

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