"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

sábado, 28 de setembro de 2013

As causas da proliferação de partidos políticos

O sistema eleitoral brasileiro vem mantendo sua habitualidade em contrariar a vontade da sociedade brasileira, que, já cansada da multiplicidade de partidos políticos sem identidade e sem qualquer representatividade, novamente foi surpreendida pela prática do “vale tudo” para a aquisição de parlamentares, com a criação de dois novos partidos.

Lamentavelmente, porém, isso só se tornou possível a partir de alteração jurisprudencial recente do Supremo Tribunal Federal na interpretação dos princípios da soberania popular e da democracia representativa, com reflexos na divisão de recursos do fundo partidário e do acesso gratuito ao rádio e televisão (ADI 4.430/DF e ADI 4.795 MC/DF, rel. min. Dias Toffoli, decisão: 27, 28 e 29 de junho de 2012). Por esse novo posicionamento majoritário do STF, os parlamentares que se filiarem aos recém-criados partidos levam consigo o tempo correspondente ao direito de arena e os valores relativos ao fundo partidário (‘portabilidade’).

Entendemos que no julgamento das ADI 4.430 e 4.795, o Supremo Tribunal Federal acabou afastando o absoluto e incondicional respeito à vontade do eleitor depositada nas urnas em um sistema eleitoral partidário de representação proporcional, por lista aberta uninominal, que deveria reger todo o sistema político, inclusive, no tocante a distribuição dos horários reservados à propaganda e ao fundo partidário.

Os parágrafos 2º e 3º, da Lei 9.504/1997, com a redação alterada pela Lei 11.300/2006, disciplinavam os horários reservados à propaganda em cada eleição, de maneira a ponderar os votos totais que a legenda recebeu nas últimas eleições. Isso por estabelecer como critério principal para a divisão do horário eleitoral, a representação de cada partido na Câmara dos Deputados resultante da eleição. Ou seja, leva-se em conta a totalidade do conjunto de votos que cada partido político recebeu em sua lista aberta, de maneira a contabilizar a somatória dos votos somente em legenda com os votos dados diretamente aos seus candidatos. Assim, o critério adotado com base na representatividade democrática de cada partido foi sua representação na Câmara dos Deputados resultante da eleição.

Esse critério adotado pelo Congresso Nacional respeitou os “princípios obrigatórios que informam o ordenamento constitucional” (MS 26.604), como salientado pela ministra Carmen Lúcia, e atende ao princípio da razoabilidade, ao consagrar como requisito principal para a divisão do tempo de propaganda eleitoral (direito de arena) o “desempenho eleitoral passado” dos partidos políticos, ou seja, o “o resultado obtido nas eleições”.

O reconhecimento da razoabilidade na fixação desses critérios pelo Congresso Nacional havia sido realizado pelo Supremo Tribunal Federal, em duas oportunidades anteriores (ADI 1.408 e ADI 1.822), ao decidir que o substrato normativo da matéria referente à distribuição da propaganda eleitoral gratuita — o denominado direito de arena — é constitucional (CF, artigo 17, parágrafo 3º), tendo, porém, o Legislador Constituinte Originário delegado ao Congresso Nacional sua regulamentação por meio de lei ordinária.

Igualmente, o posicionamento anterior de nossa Corte Suprema, nas citadas, ADI 1.408 e ADI 1.822, foi no sentido de que os critérios adotados pelo legislador ordinário atenderam aos princípios da igualdade e razoabilidade. Sendo eles: a) distribuição de fração menor de tempo de propaganda eleitoral gratuita de rádio e televisão a todos os partidos políticos (atual inciso I, do artigo 47 da Lei 9.504/1997); b) distribuição de fração maior de tempo de propaganda eleitoral gratuita de rádio e televisão a todos os partidos políticos (atual inciso II, do artigo 47 da Lei 9.504/1997) a partir do “desempenho eleitoral passado”, ou seja, a partir do “resultado eleitoral”, por respeito ao princípio da soberania popular e ao nosso sistema eleitoral de partidos políticos.

Esse foi o posicionamento de nossa Corte Suprema, no julgamento da medida liminar da ADI 1.408-1/DF, em que se negou o pedido de concessão de medida liminar (Plenário, 15/2/96), para suspensão do então artigo 57, da Lei 9.100/95. Ficou decidido, por ampla maioria (9 votos a 1), que a distribuição dos períodos de propaganda eleitoral gratuita em função do número de representantes de cada partido na Câmara Federal estabelecido pelas urnas não feria o princípio da isonomia, tampouco caracterizava “generalidade normativa”. Conforme salientou o ministro Francisco Rezek: “quanto ao princípio da isonomia, é de ver que os partidos políticos são profundamente desiguais e desigualmente devem ser tratados, sobretudo no que concerne ao tempo de uso gratuito de televisão, durante o qual consumirão as energias daqueles que se entregam a tarefa de assisti-los e de compará-los para formular suas opções de voto. Essa desigualdade não é congênita, nem é produto de desenho legislativo algum: é uma desigualdade que as urnas determinam, e que há de ser vista com respeito pelo democrata”.

Igualmente, em seu voto, o ministro Sepúlveda Pertence salientou a necessidade de análise de “uma colisão de valores a considerar”, entre eles: “o significado e a inserção já demonstrados do partido no eleitorado, que necessariamente hão de ser medidos por algum índice de desempenho eleitoral passado de cada um”.

Na ADI 1.822, em que igualmente foi impugnado o critério escolhido pelo Congresso Nacional para a divisão do horário eleitoral gratuito de rádio e televisão, especificamente tendo sido arguidas as inconstitucionalidades da então redação do inciso I e do inciso II do parágrafo 2º, e os parágrafos 3º e 4º, todos do artigo 47 da Lei 9.504/1997, decidiu o Supremo Tribunal Federal, por votação unânime, não conhecer da referida ação direta de inconstitucionalidade, que pretendia retirar do ordenamento jurídico o critério escolhido pelo Congresso Nacional. Ficou entendido que: “quanto ao primeiro pedido alternativo sobre a inconstitucionalidade dos dispositivos da Lei 9.504/1997 impugnados a declaração de inconstitucionalidade, se acolhida como foi requerida, modificar o sistema da lei pela alteração do seu sentido, o que importa sua impossibilidade jurídica, uma vez que o Poder Judiciário, no controle de constitucionalidade dos atos normativos, só atua como legislador negativo e não como legislador positivo”.

Dessa forma, por unanimidade de votos, nossa Suprema Corte não declarou a inconstitucionalidade do então previsto pelos parágrafos 2º e 3º, do artigo 47 da Lei 9.504/1997. No citado julgamento da ADI 1.822, salientou o ministro Marco Aurélio a impossibilidade do Poder Judiciário alterar a escolha do critério feito pelo Congresso no tocante a distribuição do tempo de propaganda eleitoral gratuita de rádio e televisão. Idêntico foi o entendimento do ministro Sepúlveda Pertence, para quem não seria possível conceder interpretação no sentido de entender inconstitucionais os critérios estabelecidos pelo Congresso Nacional.

O posicionamento do Supremo Tribunal Federal quanto à matéria sempre havia sido de prestigiar a opção do Congresso Nacional, desde que atendesse os princípios da igualdade e razoabilidade, fortalecendo o desempenho eleitoral passado, sem qualquer discriminação, com absoluto e irrestrito respeito ao princípio da soberania popular, instrumentalizado no Brasil pelo princípio da democracia representativa, em um sistema eleitoral proporcional de partidos políticos para as eleições da Câmara dos Deputados.

Assim, o sistema de representação proporcional consagrado pelo Constituição Federal e disciplinado pela legislação ordinária adota o escrutínio de lista ou voto de legenda nos partidos políticos, que depende, para sua efetiva implementação, de prévia definição do legislador ordinário no exercício do poder de regulação que lhe foi atribuído pelo ordenamento constitucional — que o fez por intermédio da Lei 9.504/1997.

No sistema eleitoral brasileiro o eleitor exerce sua liberdade de escolha para a Câmara dos Deputados apenas entre os candidatos registrados em partidos políticos. Isso porque a eleição é realizada pelo sistema de representação proporcional, por lista aberta, uninominal, sendo que o primeiro destinatário do voto é o partido político viabilizador da candidatura por ele oferecida e a distribuição de cadeiras obtidas é realizada entre os Partidos Políticos, a partir da votação.

Não há dúvidas de que, nos termos do parágrafo 3º, do artigo 17 da Constituição da República Federativa do Brasil, os partidos políticos têm direito a recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e televisão, na forma da lei, porém respeitando-se de maneira absoluta e incondicional a vontade do eleitor depositada nas urnas em um sistema eleitoral partidário de representação proporcional, sob pena de subvertermos as regras da democracia representativa, desconsiderarmos as votações obtidas nas eleições e permitirmos lamentáveis episódios de verdadeiros “leilões” para obtenção de filiações de parlamentares aos novos partidos.

A medida de representatividade de cada partido político, com a consequente divisão do direito de arena e do fundo partidário, necessita de um critério objetivo que somente pode estar pautado no resultado pretérito obtido nas urnas, ou seja, na vontade popular.

Alexandre de Moraes 

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