"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

sábado, 31 de agosto de 2013

Felizmente, manifestações são uma espiral sem volta

25/06/13

As manifestações das últimas semanas geraram todo o tipo de análise. Há quem qualifique os protestos de baderna, quem encontre neles a genuína vontade do povo, quem aponte se tratar de uma reação conservadora da classe média e, por fim, quem seja franco e reconheça não compreender bem o que ocorre, caso de Antonio Prata, que confessou em coluna na Folha de S.Paulo do último dia 19 de junho: “ninguém tá entendendo nada”.

Coloco-me na última categoria. Embora algumas pautas sejam claras, como a questão da mobilidade urbana — responsável por uma espécie de orçamento participativo na marra em várias cidades — há uma confusão de ideias, slogans, pedidos, e um monte de gente que foi às ruas pelo simples prazer de participar da história e ser testemunha dos fatos. Creio que será necessário algum distanciamento histórico para analisar o que, de fato, representou esse súbito despertar da consciência politica de milhares de cidadãos.

Seja como for, é bom saber que as pessoas ainda se dispõem a sair às ruas para protestar, reclamar e atrapalhar o trânsito. Não vejo aqui uma sombra para a democracia, uma ameaça às instituições, ou irracionalidade. Nos últimos dias, uma colega, professora de minha universidade, pediu que refletíssemos sobre as manifestações e sobre o possível retorno à ditadura como resposta aos excessos dos estudantes. Respeito imensamente a colega e sua preocupação, mas não consigo ver nos atos qualquer semelhança com 64 ou qualquer outro período que antecedeu golpes militares.

O assombro perante mobilizações é comum, ainda mais em um país mal entrado na democracia. Manifestantes viram baderneiros, passeatas são casos de polícia e o ato de atrapalhar o trânsito é visto como um quase-terrorismo. Atos extremados de grupos mais exaltados são generalizados, como se aquela minoria representasse todos que estão nas ruas. Mas se olharmos para países mais afeitos à participação popular, veremos o quão frequente é o grito nas avenidas, o protesto nas praças e a natural confusão no tráfego viário deles decorrentes. Mais. Veremos que mesmo lá existem ações exageradas, devidamente enfrentadas por uma polícia mais preparada. Nada de irracional, tudo dentro do esperado em uma pluralidade democrática.

Me lembro de um conto simpático de Isaac Asimov em que uma raça alienígena tentava curar os humanos e sua confusão social. Para isso, visava infestá-los com uma vontade de ordem que cortaria qualquer individualidade e transformaria a comunidade da Terra em uma unidade harmônica, homogênea, funcional, protegida dos tumultos decorrentes das diferenças de caráter e de personalidade. Seria uma dádiva, um presente. Ao final — não me lembro bem como — os extraterrestres fracassavam e o herói humano saboreava a confusão e a discórdia, percebendo-os como um pequeno preço a pagar pela liberdade.

É isso. A individualidade gera diferenças, a estrutura econômica as acirra, os ideários políticos se alimentam disso. Qualquer sociedade democrática deve reconhecer tais disparidades e celebrar quando um grupo sai às ruas para pedir qualquer coisa.

Não sei o que catalisa as atuais manifestações, não concordo com todas as suas pautas — sou a favor de partidos políticos, tenho sérias duvidas sobre a demonização da PEC 37, sobre algumas propostas de reforma política ora apresentadas — nem com o caráter salvacionista com que alguns revestem os protestos.

Mas é confortante saber que o brasileiro volta às ruas. Como bem disse a professora, é uma espiral sem volta. Mas é bom que não volte. O governo deve se acostumar com questionamentos públicos mais frequentes, e estruturar mais e melhores canais de participação popular, usando até mesmo as redes sociais para isso. A polícia deve se preparar para enfrentar grupos que usam da violência como forma de protesto protegendo o patrimônio (público e privado) e os próprios manifestantes das consequências de seus atos. Os movimentos populares devem se organizar para esclarecer cada vez mais suas pautas e reivindicações. E os sociólogos, juristas e historiadores devem voltar já suas reflexões para compreender o que acontece.

Mas, deixemos o assombro de lado. Manifestações não significam guerra, golpes ou ruptura nem o fim deste ou daquele governo ou partido. Significam apenas insatisfação organizada. São sinal de vitalidade democrática, de exuberância política. Concordemos ou discordemos de suas metas e objetivos, eles são o sinal de que vivemos uma sociedade plural. E pluralismo não se constrói com medo, mas com respeito à diferença e à contradição.

Pierpaolo Cruz Bottini

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