"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Quando o Brasil ficou de pé

Lembra quando o Brasil era a potência da vez? Quando matérias sobre vinagre e pimenta se limitavam à seção culinária do jornal? Faz apenas dois ou três anos que o Brasil vivia a euforia de uma infância tardia. Tínhamos a Copa e as Olimpíadas, tínhamos o pré-sal e o Eike Batista. E tínhamos tudo isso fazendo capa de revista:

Continuamos tendo tudo isso. Apenas percebemos que não temos muito mais que isso.
O Brasil começou a nova década sob um otimismo encantado. No deslumbrado ano de 2010, a imprensa anunciava que nosso futuro prometido finalmente havia chegado:

“O Brasil está conseguindo o raro feito de extrair opiniões quase unânimes mundo afora. São poucos, pouquíssimos, os economistas que ousam discordar de que o País entrou em um ciclo de desenvolvimento sustentado. E mais: são ainda mais raros aqueles que duvidam da capacidade de o Brasil se tornar uma das maiores potências econômicas do planeta em um par de dezena de anos”.

Não foi preciso “um par de dezenas de anos” para percebermos que as “opiniões quase unânimes” em 2010 estavam mais infladas que o mercado imobiliário americano em 2008. A bolha do Brasil Potência estourou. Hoje, é a voz dos “poucos, pouquíssimos” dissidentes que se amplia no eco das centenas de milhares marchando pelas ruas das capitais brasileiras.

O que mudou de 2010 a 2013? Institucionalmente, muito pouco. A grande mudança está na percepção do brasileiro. Descobrimos que a realidade não é bem aquela pintada pelo R$ 1,797 bilhão que o governo gasta por ano em propaganda. Não se faz pão de slogans políticos nem se educam crianças com cartilhas comemorativas.

Enquanto políticos e jornalistas nos diziam “Yes, nós somos potência”, nosso bolso nos dizia outra coisa.

Sí, nós somos pobres

Uma das minhas esquisitices é andar com o mapa da renda do Brasil num pen drive. É um mapa da The Economist que revela a qual país equivale a renda per capita de cada estado brasileiro. O resultado costuma surpreender amigos, principalmente gaúchos:

O tamanho da nossa economia, a 6ª maior do mundo, faz os brasileiros se esquecerem de que riqueza se mede observando a renda de cada pessoa, de cada família. Uma multidão de pobres não se torna rica ao ser agregada sob um mesmo indicador econômico. Se PIB total indicasse riqueza, a Bahia seria considerada mais rica que o Distrito Federal, quando na verdade a renda no DF é cinco vezes maior que na Bahia. Quando olhamos para o poder de compra dos brasileiros, o país cai para a posição de número 76, atrás de países como Casaquistão e Irã.

Nossa ilusão também foi alimentada por investidores gringos. Empolgados em fazer parte dos BRICs, nem notamos que a sigla inventada por um chairman do Goldman Sachs reunia países com tão pouco em comum que só formavam um grupo através de uma manipulação fonética. Reparem que na década de 2001 a 2011, Rússia, Índia e China cresceram numa média de 8,4% ao ano. O Brasil, com uma média anual de 3,8% não chegou nem na metade disso.

Enquanto a economia crescia pouco, o custo de vida nas cidades brasileiras batia recordes. Até os investidores estrangeiros se assustam quando vêm ao Brasil. O indiano Ruchir Sharma ficou impressionado ao visitar o país e descobrir que:

“Restaurantes em São Paulo são mais caros do que os de Paris. Quartos de hotéis custam mais no Rio que na Riviera Francesa. Os apartamentos no chique Leblon são vendidos por mais dinheiro do que os imóveis na Quinta Avenida de Nova York com vista para o Central Park.”

“Se os preços locais em um país de economia emergente parecem caros até para o visitante de uma nação rica”, escreve Ruchir Sharma em Breakout Nations, “esse país provavelmente não é uma nação rumo à prosperidade”.

Quem mais perde quando o custo de vida sobe são os mais pobres. São eles que se assustam todo dia, que sentem seu valor diminuir dia após dia quando pagam aluguel, andam de ônibus, entram na escola, esperam no hospital, ou vão ao mercado fazer compras.

Copa do Mundo não paga as contas dos pobres. Além da dor no bolso, os brasileiros ainda têm que sentir a dor moral ao ver montanhas de dinheiro sendo transferidas para coisas tão supérfluas como eventos esportivos. Como escrevi em outro texto:

“Nas PPPs, o governo consegue privatizar o lucro e a empresa socializar as perdas – capitalismo para os ricos/socialismo para os pobres em seu melhor. E isso não ocorre por acidente; está previsto na legislação de concessões especiais. Nessa modalidade de PPP, o governo se compromete a investir dinheiro no projeto e a ser solidário com o fracasso do setor privado, cobrindo eventuais prejuízos.”

E o governo precisa dar esse estímulo ao setor privado porque o resto da economia não estimula o empreendedorismo. O Brasil assustava até Steve Jobs. Quando o Secretário de Cultura do Rio de Janeiro convidou a Apple abrir uma loja na cidade, Jobs disse que não. “A política maluca de taxação superalta do Brasil”, explicou Jobs, “faz com que seja muito pouco atraente investir no país. Muitas companhias de alta tecnologia se sentem assim”.

Batendo os 36% da economia doméstica, o Brasil é o país com a maior carga tributária do mundo em desenvolvimento. O brasileiro trabalha 150 dias por ano só para pagar imposto. E enquanto os asiáticos se deslocam a 400km/h sobre superfície urbana, o brasileiro aguenta meia hora só pra sair do ponto.
E ainda há quem ache que não há motivo para protesto?

O Brasil está de pé. Uma nova geração se levantou do sofá e tomou as ruas. E não são as borrachas balísticas que vão apagar esse ímpeto. Porque borracha não apaga o fogo, é o fogo que se alimenta da borracha.

Os céticos dizem que a onda de protestos não passa de um exercício de narcisismo coletivo, de patricinhas saindo mais cedo da Cultura Inglesa para fazer sua empregada chegar mais tarde em casa, de playboys dando golpes de Jiu-Jitsu no patrimônio público, de hipsters ideológicos com vocabulário retrasado falando de latifúndios urbanos e partying like it’s 1848.

De fato, definir a direção do descontentamento generalizado deve ser prioridade. O século passado já viu que ideias são capazes de derrubar muros, mas antes é preciso saber qual muro derrubar. Essa questão não se resolve gritando mais alto ou reunindo mais gente. O peso do martelo e o barulho da martelada não nos dizem se estamos golpeando a parede que nos priva do ar da liberdade ou a parede que nos protege das águas de uma represa.

Mas também não se resolve quando pessoas de boa vontade e boas ideias se colocam contra a maior manifestação de descontentamento político há mais de uma geração. Assim agiam os conservadores que, segundo GK Chesterton, impediam que os erros cometidos pelos progressistas fossem corrigidos. Meus amigos do pé atrás gostam de citar Burke, que dizia que a única coisa que o mal precisa para triunfar é as pessoas de bem não fazerem nada. Mas ao se recusarem a contribuir para o atual movimento estão exacerbando o temor de Burke. Estão garantindo que o discurso do vandalismo, do poder e da pobreza ganhe mentes e corações. Suas críticas funcionam como uma profecia auto-realizável.

Dizem que o protesto não é a maneira democrática de se reivindicar demandas sociais numa república constitucional. “Para isso existem eleições!” Mas esses amigos também protestam, e protestam diariamente. Só que protestam por meio do poder da escolha. Protestam contra um restaurante escolhendo comer no outro. Protestam contra a “Veja” escolhendo a “Época”; contra o BBB mudando de canal.

Se tratássemos o transporte aéreo como tratamos o transporte urbano, com apenas uma companhia monopolizando cada trecho, aposto que os ricos também iriam fazer barulho quando a TAM aumentasse a passagem Rio-São Paulo. Mas eles não precisam protestar nas ruas. Podem protestar escolhendo a Azul ou a Gol.

As companhias de ônibus das capitais brasileiras não concorrem pela preferência do consumidor. São monopólios. Concorrem pela concessão do governo. Quando não permitimos aos pobres protestarem com suas escolhas, resta a eles protestarem com suas pernas.

Se há um problema com o protesto, ele não está no ato de protestar, ou em protestar por passagens mais baratas. O problema está nos meios pelos quais o protesto vira proposta.

O Movimento Passe Livre quer entregar ainda mais poder para os monopólios. Querem que o pobre pague às companhias de ônibus até quando só anda a pé. Que pague quando compra feijão, pague quando compra roupa, que pague às companhias de ônibus por meio dos impostos. O passe aí é um passe de mágica que deixa os brasileiros sem saber o quanto de fato estão pagando (quantas pessoas sabem o quanto do dinheiro do seu imposto vai para as companhias de ônibus? Você sabe?). O custo do subsídio se esconde nos impostos e dá um passe livre para o governo aumentar o subsídio das empresas de ônibus sem a população sequer perceber.

Os brasileiros devem ter passe livre para consumir, passe livre para empreender. O brasileiro é um povo criativo, empreendedor. Cai uma chuva, lá vem um empreendedor popular te oferecer uma sombrinha. Abre o sol e ele te oferece uma água gelada. O brasileiro empreende em qualquer lugar. Empreende na praia, empreende no engarrafamento, empreende na internet. Mas não pode empreender no transporte urbano, nem na Copa, nem na educação. Aí tem que ser monopólio. “Claro que não é em benefício das companhias nem dos políticos”, dizem. “É monopólio em benefício do povo!”

Destruir ônibus em protesto contra a passagem é como esmagar tomate em protesto contra a inflação. Minha esperança é que os manifestantes parem de quebrar ônibus e comecem a quebrar monopólios!

 Diogo Costa

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