"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

sábado, 27 de abril de 2013

A separação dos poderes


Desconsiderando o fato de que há dois mensaleiros, e outros tantos petistas, na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, o que por si só já seria motivo para duvidar da legitimidade e civilidade da Proposta de Emenda Constitucional que deseja submeter decisões do Poder Judiciário ao Poder Legislativo, podemos entender que tal iniciativa não passa de outra afronta aos interesses de uma sociedade que ja carece de direitos individuais garantidos e de um ambiente institucional estável.

Num país como o Brasil, onde Estado de Direito é muito mais uma aspiração do que uma conquista consolidada, onde as bases de uma sociedade liberal são tênues e desrespeitadas amiúde, devemos rechaçar com veemência manobras que pretendem extingui-las de vez, como agora intenta o grupo de deputados revanchistas.

Se temos no Brasil um Poder Executivo legisferante, um Poder Legislativo perdulário, e um Poder Judiciário leniente com os desmandos dos demais poderes da República, podemos afirmar, sem medo de errar, que há em nosso país, uma inversão total de papéis com a transferência sistemática de funções e a contumaz displicência com as responsabilidades atribuídas a cada instância.

Além de cada Poder não fazer o que deveria, vem fazendo aquilo que não deve. E mais, agora para piorar, há aquele Poder que pretende fazer tudo: gastar, investigar, legislar, anistiar e julgar.

Estaremos de volta, se é que um dia saímos, a um regime ditatorial mal disfarçado de democracia. Bem ao estilo brasileiro, redesenharemos o absolutismo, transformando-o em uma obra político-institucional pós-moderna, esculpida exatamente pelo Poder da República, o Legislativo, que aceita, com festa, que condenados pela Justiça exerçam seus mandatos políticos para exatamente retaliar contra quem os julgou e condenou.

Não é necessário ser um jurista para entender que o Poder Judiciário não legisla quando julga, e que, se o Poder Legislativo passar a ter ingerência sobre decisões judiciais, estará contrariando a teoria da separação de poderes com seus balanços e contrapesos, comprovada arma contra o arbítrio.

Ora, sabemos que nossos instrumentos legais não são oriundos de uma tradição consuetudinária. São todos prescritos, diria até, exageradamente prescritos, ao ponto de termos uma Constituição Federal que mais parece um minucioso manual de boas intenções com detalhadas regras de funcionamento que demandam comportamentos quase sempre impossíveis de serem exercidos, o que acaba ou emperrando as relações espontâneas ou transformando a todos em foras-da-lei.

E por que os deputados que querem solapar a separação de poderes tentam identificar uma decisão judicial como se fosse uma lei? Apenas para terem um argumento, ainda que sofistico, para dizer que o Poder Judiciário legisla.

É óbvio que esse argumento é falacioso. O Poder Judiciário não está criando uma nova lei.

Os conflitos julgados pelo Judiciário, originam-se de ações de inconformidade com alguma lei anterior. Essa lei pode ter sido originada no Legislativo ou através de contratos privados, que tem força de lei para as partes envolvidas e se baseiam nas leis advindas do Legislativo, promulgadas anteriormente.

Assim, as decisões judiciais são tomadas com base ou na lei estatal ou nas leis privadas estabelecidas pelos contratos particulares. O judiciário não está legislando, está julgando baseado na legislação existente.

Cabe ao Judiciário julgar e decidir, com independência, sobre casos concretos existentes, interpretando a lei estabelecida. Esse é o seu papel. Inclusive, é função do Poder Judiciário, quando for o caso, se contrapor aos Poderes Legislativo e Executivo para o bem da justiça.

Se o Judiciário, baseado na Constituição, entender que uma lei estatal é uma aberração, pode e deve julgá-la inválida. A súmula vinculante é apenas uma prerrogativa administrativa para evitar que casos idênticos, com as mesmas características, sejam julgados repetitivamente da mesma forma.

Parece que os deputados, não levaram em conta que as leis oriundas do Legislativo deveriam ser aplicadas para casos futuros, não conhecidos. Ora, as súmulas vinculantes tratam de casos passados conhecidos e existentes, casos estes que criaram jurisprudência própria e não são casos futuros desconhecidos, de aplicação geral.

Uma decisão judicial, como já disse antes, é antecedida pela existência de uma lei. O legislador que produz leis estatais ou os contratantes que firmaram leis privadas, já se manifestaram. Se o fizeram mal ou se criaram um conflito, agora é a vez do Judiciário, exclusivamente, se manifestar.


 Roberto Rachewsky

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