"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

segunda-feira, 18 de março de 2013

O Supremo e a agenda legislativa



Embora vulgarmente identificada com a regra da maioria, a democracia é muito mais do que isso. A questão da titularidade do poder político – o governo do povo – não prescinde das discussões sobre o modo e os limites do processo de tomada de decisões nos Estados democráticos de direito. Neste sentido, a Constituição funciona como o estatuto jurídico da democracia; o manual que disciplina as regras do jogo democrático.

O respeito às regras constitucionais do processo legislativo é garantia de transparência, participação popular e respeito aos direitos das minorias. Sua observância é direito público subjetivo de cada parlamentar e de toda a sociedade. A decisão do Supremo Tribunal Federal que determinou a observância da ordem cronológica para a apreciação dos 3.066 vetos acumulados desde 2001 nos escaninhos do Congresso Nacional nada mais fez do que exigir o cumprimento do devido processo legislativo estabelecido na Constituição.

Com efeito, o art. 66, parágrafos 4º e 6º, da Constituição institui a obrigatoriedade de apreciação do veto, em sessão conjunta das Casas Legislativas, no prazo de 30 dias a contar do seu recebimento. Esgotado tal prazo sem que tenha havido deliberação, o veto será colocado na ordem do dia da sessão imediata, sobrestadas as demais proposições, até sua votação final.

O sentido das normas constitucionais é o de assegurar a efetiva deliberação do Congresso Nacional sobre os vetos presidenciais, evitando-se o rolo compressor do Executivo. Daí ter o constituinte estabelecido um prazo para a sua apreciação, cuja inobservância deflagra o sobrestamento das demais proposições até sua votação final. Extrai-se da sistemática constitucional, assim, um dever congressual de deliberação sobre os vetos em ordem cronológica, eis que a pendência dos mais antigos impede a apreciação dos mais recentes.

No caso antes referido, uma maioria ocasional do Parlamento pretendia inverter a ordem cronológica prevista na Constituição e apreciar o veto parcial aposto pela presidente da República sobre algumas disposições da lei que fixou novas regras de distribuição de royalties e participações especiais entre os entes da Federação. Foi, portanto, acertada a decisão do ministro Luiz Fux que determinou a observância da ordem cronológica dos vetos pendentes de apreciação, como exige a Constituição da República. O atropelo ao procedimento representava uma nítida estratégia da maioria para esmagar a capacidade de mobilização política e popular da minoria parlamentar interessada na manutenção do veto.

Carece de fundamento a alegação de que a decisão do STF estaria a manietar a independência do Poder Legislativo. Primeiro, porque nenhuma instituição republicana pode arrogar-se poder superior ao que lhe confere a Constituição. Se a agenda legislativa está disciplinada de determinada maneira pelo texto constitucional, a própria independência do Poder Legislativo já foi concebida sob tais balizas.

Além disso, a decisão da Corte Suprema não se substituiu aos parlamentares, nem avançou de qualquer modo sobre o conteúdo das deliberações políticas a serem tomadas sobre os vetos. Ao contrário – e quase ironicamente -, o Supremo decidiu que cabia ao Congresso decidir sobre os vetos pendentes, o que não fazia desde 2001.

Assim, antes que alguma interferência indevida na independência do Parlamento, o gesto do Poder Judiciário representou um fortalecimento do Congresso Nacional ante o reconhecido poderio do Executivo.

Em importantes precedentes o Supremo tem obstaculizado a tramitação de projetos de lei e até de propostas de emendas constitucionais que contrariam os procedimentos ou avançam sobre cláusulas pétreas da Constituição. Ao assim agir, o STF não está a restringir a independência dos Poderes, nem a comprometer a soberania popular. Ele está apenas cumprindo o seu papel de guardião da Constituição e das regras do jogo democrático. Sua intervenção se dá a favor, e não contra a democracia.

 Gustavo Binenbojm

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