"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Armistício Fiscal


A competição é inerente à condição humana. Quando exasperada, pode resultar em conflitos, que, no limite, se convertem em guerras, onde pontifica o recurso à violência, qualquer que seja sua forma, sem nenhum respeito às convenções legais.

Carl von Clausewitz (Da Guerra), renomado pensador austríaco, afirmou que “a paz é continuação da luta, mas por meios diferentes”. Uma leitura dessa célebre frase permite entender que a competição subsiste, indistintamente, em tempos de guerra ou de paz. A pretensão de supremacia, inerente à guerra, cada vez mais assume novas feições, cuja sutileza mascara seu elevado potencial ofensivo.

São as guerras econômicas, praticadas por Estados e corporações, mediante práticas fiscais, cambiais, comerciais, etc.

No contexto das guerras econômicas locais, a guerra fiscal do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e, em menor escala, a do Imposto sobre Serviços (ISS) assumem especial interesse.

A guerra do ISS está muito longe de uma solução. Por ora, o combate se opera por meio de medidas francamente inconstitucionais, patrocinadas por algumas prefeituras que exigem o cadastramento de prestadores de serviços localizados fora de sua jurisdição, com exigências rigorosamente absurdas e, não raro, de cumprimento impossível. A vítima, no momento, é o contribuinte, sem efeito algum sobre as entidades responsáveis pela guerra fiscal.

O governo federal tem de abandonar sua atitude olímpica em relação à Federação, pois questões irresolutas findam sempre recaindo sobre os ombros da União

No campo do ICMS, a guerra fiscal assumiu proporções escandalosas com contornos multifacetados, que incluem a indústria, o porto e o comércio, abrangem todos os Estados e se expressam por meio de exóticos modelos de concessão.

A Lei Complementar n.º 24, de 1975, que atribuía ao Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) poderes para decidir sobre a concessão de favores fiscais, no âmbito do ICMS, tornou-se letra morta, sendo abertamente desobedecida, sobretudo porque suas sanções caducaram em virtude de legislações supervenientes posteriores.

O Supremo Tribunal Federal (STF), contudo, firmou jurisprudência sobre a inconstitucionalidade da guerra fiscal, já se encontrando em tramitação súmula vinculante dispondo sobre a matéria, cuja aprovação terá efeitos devastadores sobre investimentos realizados com base em leis inconstitucionais.

Esses fatos levaram o Senado a criar uma comissão, integrada por especialistas, para apreciar a competição fiscal ilegal e outras questões relacionadas ao federalismo fiscal. Ao concluir seus trabalhos, a comissão apresentou anteprojetos de normas constitucionais e infraconstitucionais, com o objetivo de subsidiar a discussão da matéria no Congresso Nacional, sem a pretensão, todavia, de esgotar o tema.

Além da guerra fiscal, as propostas abrangeram a edição do Código do Federalismo Fiscal, a integração das administrações tributárias (cadastro único) e as mudanças nos critérios de rateio das transferências intergovernamentais (Fundo de Participação dos Estados – FPE; quota-parte municipal do ICMS; Fundo do IPI; royalties do petróleo) na repartição horizontal da renda (princípio do destino mitigado e comércio eletrônico interestadual) e nos gastos públicos estaduais e municipais (renegociação da dívida com a União e vedação de pisos nacionais de remuneração de servidores).

As propostas tiveram como pressupostos: apreciação conjunta, que propicie compensações cruzadas nos ganhos e nas perdas dos entes federativos; implementação gradual, para evitar repercussões abruptas nas finanças daqueles entes; e desconcentração horizontal das rendas públicas, privilegiando as entidades com menor capacidade fiscal.

É muito preocupante, entretanto, ver que se aproxima o final da sessão legislativa sem que haja uma deliberação sobre o rateio do FPE, especialmente quando se sabe que as novas regras deverão entrar em vigor no início de 2013, sob o risco de serem suspensas as transferências daquele Fundo, o que corresponderia à completa insolvência da maioria dos Estados brasileiros.

A decisão do Supremo foi tomada em fevereiro de 2010. Não há razão que explique a mora legislativa.
O Congresso aprovou novo disciplinamento, ainda pendente de sanção presidencial, dos royalties do petróleo. A nova regra aponta para uma distribuição de receitas, cuja soma alcança 101% (sic) dos recursos, não vincula as transferências a investimentos – sabendo-se que é temerário destinar receitas instáveis a despesas de custeio – e produz um colapso nas finanças dos atuais beneficiários.

Não se pode, além disso, aguardar a aprovação pelo STF da súmula vinculante relativa à guerra fiscal, porque os custos da solução, para todos, serão bem maiores que os atuais.

Tem de haver maior empenho do Congresso Nacional para enfrentar esses temas. De igual forma, o governo federal tem de abandonar sua atitude olímpica em relação à Federação, pois questões irresolutas findam sempre recaindo sobre os ombros da União.

O encaminhamento desses problemas exige disposição para o diálogo, com participação efetiva da União. Não se deve, aliás, esquecer de que uma guerra não se encerra com outra guerra e muito menos com incúria, mas com o armistício que precede a paz.

Everardo Maciel

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