"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

sábado, 26 de janeiro de 2013

A Constituição e os Partidos


Durante o Império, nunca chegamos a ter o que hoje poderíamos chamar de um sistema partidário. Na verdade, a Constituição de 1824, ao se omitir em relação aos partidos políticos, que na forma como hoje são concebidos constituem uma realidade do fim do Séc. XIX, terminou implantando o regime da liberdade de organização partidá-ria.

Os partidos políticos do Império, pelo menos até 1868, quando os liberais organizam a “Liga Progressista” e o “Centro Liberal”,ou talvez 1870, quando os republicanos lançam o Manifesto de Itu e fundam o Partido Republicano, não eram instituições, não tinham estatutos nem se revestiam de qualquer forma de organização jurídica.

Eram, na verdade, vontades concorrentes, uma simples convergência de interesses e afinidades – ou ideológicas e de convicções, ou mesmo de simples interesses, acima das convicções.

Não parece justa, portanto, como veremos, a sentença terrível de Oliveira Viana que em sua obra "A queda do Império" diz serem eles apenas “simples agregados de clãs organizados para a exploração em comum das vantagens do poder”.

Como lembra Oliveira Lima, e como confirma Américo Brasiliense em seu Os programas dos artidos e o Segundo Império, os partidos brasileiros datam da Regência: o Liberal nascido em torno das idéias reformistas propiciadas pela Revolução de Sete de Abril, e o Conservador surgido da reação a esse sentimento exaltado, com a estrondosa passagem do mais famoso líder do liberalismo do primeiro Império para as fileiras do conservadorismo: Bernardo Pereira de Vasconcelos, com o seu movimento “regressista”.

Oliveira Lima mostra como e em torno de que interesses se agrupava a elite política dessa época:
“( ... ) o soberano fazia as vezes de eixo do Estado. O pessoal político girava em redor dele, atraídos uns pelo seu magnetismo, afastados outros pelo seu caráter desigual, sem se agruparem em bandos disciplinados.

A tendência comum era democrática, portanto antiautocrática, mas simpatias e antipatias visavam diretamente o monarca e os princípios mais se regulavam pelos sentimentos assim manifestados.”É claro que o Sete de Abril, a abdicação do monarca e a instalação da Regência modificariam ensivelmente esse panorama. O triunfo das idéias liberais, o fim do absolutismo voluntarioso de D. Pedro I e o recuo amedrontado de seus áulicos, fizeram surgir um nítido movimento de idéias em torno de reformas políticas e institucionais que se tornaram inevitáveis.

A partir daí, é ainda Oliveira Lima quem diz:“Predominaram idéias e paixões: os republicanos uniram-se quase todos aos avançados que foram mais tarde os liberais, certo número permanecendo fiel ao federalismo; os constitucionais fundiram-se com os moderados e rodearam a bandeira conservadora, quando as aspirações dos radicais foram parcialmente satisfeitas pelo Ato Adicional, um momento de transação e conciliação entre as elites, para evitar o que ameaçava se transformar em insurreição permanente.

Como disse Evaristo na Câmara, foi preciso ‘fazer parar o carro da revolução’.”O que significava o liberalismo, então? Segundo Oliveira Lima, de quem nos valemos para traçar esse quadro, o sentimento liberal predominante “abrangida a Monarquia federativa; a abolição do Poder Moderador; a eleição bienal da Câmara; o Senado eletivo e temporário; a supressão do Conselho de Estado; Assembléias Legislativas provinciais com duas Câmaras; intendentes municipais desempenhando nas comunas o papel dos Presidentes nas Províncias”.

O Ato Adicional no entanto, como momento de transação entre os dois extremos, um que desejava tudo modificar, e o outro que nada admitia mudar, terminou apenas abrandando o rigorismo centralista e instituindo Assembléias Legislativas Provinciais, em lugar dos Conselhos Gerais de Província, que na verdade eram simples órgãos consultivos, sem poderes.

As demais aspirações liberais terminaram, na verdade, umas adiadas e nunca realizadas; outras colocadas em ação pela força dos costumes, mas sem se mexer na Constituição, e outras momentaneamente apenas realizadas. Enquanto os liberais exaltados achavam que nada se tinha conseguido, os conservadores radicais acreditavam que se tinha ido longe demais...

Liberais e Conservadores

Na verdade, porém, se o Ato Adicional não atendeu às aspirações dos liberais exaltados, e extrapolou de muito o que concediam os conservadores radicais, foi em torno desse confronto que se criou o sistema partidário do Império. Em 1837, com a renúncia de Feijó e a eleição de Pedro de Araújo Lima, funda-se de fato o Partido Conservador, no momento em que Bernardo Pereira de Vasconcelos, a maior figura do liberalismo exaltado, ao tempo de D. Pedro I, passa com enorme estrondo e seu antológico discurso para a reação conservadora.

Esse predomínio conservador, no entanto, dura pouco, pois sucumbe ao golpe parlamentar da maioridade, quando os liberais, à margem da Constituição, conseguem elevar ao trono o seu herdeiro, então com 14 anos de idade, quatro antes dos dezoito previstos na Carta de 1824. As revoltas liberais de Minas e São Paulo, em 1842, e a Praieira, em Pernambuco, em 1848, determinam um longo ostracismo para o partido que em 1840 fez a maioridade. É a fase do longo predomínio conservador que, no poder, recria por lei o Conselho de Estado, banido da Constituição pelo AtoAdicional, faz votar a lei interpretativa do Ato Adicional, travando as conquistas liberais e muda o Código de Processo Penal para reforçar o poder de autoridade.

Os vinte anos que se seguem, entre 1848 e 1868, com o pequeno intervalo da “Conciliação” do Marquês de Paraná, marcam um novo confronto de idéias e posições entre as concepções dos liberais e a dos conservadores. Nesse jogo de posições, em que coube aos liberais pregar as reformas e aos conservadores efetiválas, quando no governo, se esgota a política partidária.

“Os liberais admitiam o direito de resistência armada, toda vez que o Governo cometesse arbitrariedades e ofendesse as leis e a Constituição do Império; os conservadores repudiavam como ilegal qualquer revolução, visto que era livre toda propaganda doutrinária, e que a imprensa, as urnas e os Tribunais ofereciam meios suficientes de reparar os abusos das autoridades e emendar os atos contrários ao interesse público.

Os liberais permaneciam aditos ao princípio da descentralização administrativa, queriam reduzir ao mínimo a ação da polícia e pregavam a eleição popular dos magistrados, agentes judiciais que deviam ser de livre escolha da Nação e não instrumentos do poder; os conservadores julgavam a centralização política indispensável à integridade do Império, e a independência e inamovibilidade do Poder Judiciário, arredado dos favores do sufrágio, necessárias à dignidade de sua missão protetora dos direitos dos cidadãos e organizadora da resistência legal.”Era em torno de questões assim concebidas, segundo o testemunho de Oliveira Lima, que o Partido Liberal se opunha ao Conservador e que este resistia às investidas daquele.

O Marquês de Paraná morre em 1856, como Presidente do Conselho, mas a “Conciliação” que ele moldou continuou lentamente a produzir frutos. Abrandam-se os radicalismos dos dois partidos existentes e é na crista de uma onda arrebatadora que ressurge, renascido e renovado, o novo liberalismo, representado pela eleição irrefutável pelo município da Corte da grande tríade liberal: Teófilo Otoni, Francisco Otaviano e Saldanha Marinho. Oito anos depois, quando da queda imotivada do Gabinete Zacarias, por causa do incidente com Caxias, a Liga Progressista e depois o Centro Liberal são apenas expressões que antecipam o que viria dois anos mais tarde: a fundação do Partido Republicano, em 1870.

O programa liberal de 1868, redigido por Nabuco, lembra os liberais exaltados de 1831: ele prega a descentralização política e administrativa, defende a abolição do Poder Moderador e advoga um Senado eletivo  e  vitalício.  Quer  que  a  escolha  dos  Presidentes  seja  feita  pelos eleitores de cada Província, antecipando a Federação, preconiza a liberdade do ensino e postula uma polícia eleita pelos cidadãos. Defende o fim da Guarda Nacional e dos alistamentos compulsórios, propõe o voto direto e a sujeição dos Magistrados apenas ao julgamento dos Tribunais superiores, tornando-os imunes à ação do Executivo.

Vinte anos depois, quando a República tornou-se inevitável, todas as propostas liberais, com exceção talvez da Federação, que seria fatalmente concedida, não fora o golpe militar, estavam atendidas. Até mesmo a questão crucial da escravidão que os liberais, de início, tão timidamente enfrentaram. O que foram, no entanto, os partidos, sob a Constituição do Império, em seus 65 anos de duração?

Partidos, todos de ocasião

Oliveira Lima, invocando o testemunho de Nabuco, diz que ele, que era “sobretudo um legista e professava em matéria política um ceticismo de bom quilate, não descobria mesmo lugar no Brasil para partidos profundos”. Nabuco baseava-se no fato de que “nada dividia essencialmente a sociedade brasileira, tão homogênea, onde o feudalismo não deixava vestígios e se achavam completamente fora de lugar as quimeras políticas e os programas abstratos”.

Para ele, “os partidos, como os Ministérios, duravam ou deviam durar o tempo que duravam as idé-ias que os legitimavam. Os partidos seriam, portanto, todos de ocasião, liberais ou conservadores, de acordo com as circunstâncias e os interesses, não de acordo com princípios de doutrina ou escola, ou com tradições históricas. A ausência de privilégios condenava os partidos a defenderem somente princípios de atualidade, idéias ondeantes, as quais não podiam sobreviver”.

Se isto foi um bem ou um mal, só a crítica histórica poderá dizer.

Mas, quem olha o panorama partidário da vida política contemporânea do Brasil, fatalmente há de concordar que, deixando a questão partidária ao livre jogo dos arbítrios dos homens, a Constituição de 1824 nada mais fez do que atender a irremovível pressão da realidade brasileira.

Octaciano Nogueira

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