"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Pacote não é política


Subdesenvolvimento não se improvisa, escreveu Nelson Rodrigues, mas a improvisação repetida, pode-se acrescentar, é com certeza um entrave ao desenvolvimento. Depois da colcha de retalhos apresentada ao País como Plano Brasil Maior, o governo agora promete um pacote de incentivos à exportação de manufaturados. Age como se as dificuldades da indústria no comércio internacional fossem conjunturais. Não são, e nenhum empresário, analista ou funcionário envolvido direta ou indiretamente no assunto deveria desconhecer ou menosprezar esse fato.
Pelo quarto ano consecutivo a venda de manufaturados ficou abaixo de 50% do valor total exportado e pela segunda vez foi inferior a 40% (39,4% em 2010 e 36,1% em 2011). Isso não se explica somente pela valorização das commodities e também esse fato não é segredo.
Pacotes e medidas provisórias podem ser bons para emergências. Justificam-se pela urgência e pela relevância, principalmente quando é preciso enfrentar problemas inesperados ou dificilmente previsíveis. Objetivos permanentes e de longo prazo, como a expansão e a modernização da economia, a criação de empregos de alta qualidade e a ocupação de espaços no mercado global, são alcançados por meio de políticas, e não de arranjos e remendos.
O cenário muito ruim traçado para 2012 pode ser uma novidade. O Banco Central (BC) incorporou-a em sua estratégia ao iniciar o corte dos juros no fim de agosto. O Executivo levou em conta esse mesmo quadro ao esboçar o roteiro para este ano. Mas não há surpresa nos tropeços da indústria em 2011, nem nas perspectivas de um desempenho medíocre em 2012.
Em 1991, a exportação de produtos manufaturados proporcionou 56,4% da receita comercial. Nos dois anos seguintes a participação subiu para 60,1% e 61,1%, os dois níveis mais altos dos últimos 20 anos. Entre 1994 e 2007 a média foi 55,7%. Caiu para 46,8% e 44% em 2008 e 2009 e a partir daí escorregou para menos de 40%.
A queda na participação porcentual poderia ser apenas um reflexo do grande aumento da receita obtida com as commodities, mas não foi essa a história. No ano passado, o Brasil faturou US$ 92,3 bilhões com a exportação de manufaturados, 0,4% menos que em 2008 e apenas 10% mais que em 2007 – um aumento inexpressivo para um período de quatro anos. O crescimento de 16% em relação ao resultado de 2010 pouco significa, porque nem serviu para repetir a receita de 2008. Isso é estagnação, ou talvez a palavra mais adequada seja retrocesso.
Mesmo na América do Sul, onde o exportador brasileiro de manufaturados praticamente joga em casa, o desempenho tem sido fraquinho. Excluído o Mercosul, as vendas de manufaturados para a região chegaram a US$ 10,2 bilhões em 2006, US$ 11,2 bilhões em 2007, US$ 12,5 bilhões em 2008, US$ 8,6 bilhões em 2009 e US$ 10,6 bilhões em 2010 – pouco mais que o resultado de quatro anos antes. De janeiro a novembro de 2011 – última discriminação divulgada pelo governo – chegou-se a US$ 10,7 bilhões. Dificilmente se terá repetido ou superado o valor de 2007.
A maior parte dos mercados sul-americanos atravessou sem grandes problemas a crise internacional dos últimos anos. Outros exportadores, obviamente, ocuparam espaços. A China pode ter liderado o movimento, mas outros competidores certamente avançaram na região. As dificuldades para os brasileiros poderão aumentar muito, nos próximos anos, com a implantação do acordo de livre comércio anunciado pelos governos de Chile, Peru, Colômbia e México – mais um passo para a integração das economias sul-americanas, excluído o Mercosul – com a América do Norte. Algumas dessas economias já têm acordos com os Estados Unidos e fortes vínculos com potências da Ásia.
Não tem sentido separar, no Brasil, as políticas industrial e de comércio exterior. A indústria brasileira tem sido prejudicada, há muitos anos, tanto pelo amplo conjunto de ineficiências da economia nacional – não é preciso repetir a lista – quanto pelas desvantagens de acesso aos mercados mais importantes. Essas desvantagens vêm sendo agravadas pelos acordos comerciais de parceiros importantes, como os sul-americanos, com a América do Norte e a Europa.
Se pacote resolvesse problemas dessa magnitude, a indústria brasileira teria tido um desempenho comercial muito melhor nos últimos anos, porque pacotinhos e remendos não faltaram. É hora de começar a pensar seriamente no assunto e de substituir o blá-blá-blá do planejamento por planejamento de verdade. Política de modernização e produtividade se faz numa porção de frentes – educação, tecnologia, infraestrutura, tributação, diplomacia econômica, e assim por diante. O resto é piada.


Rolf Kuntz

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