"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

A Indústria do Voto Eletrônico e a ‘McDonaldização’ da Justiça.




Enquanto a indústria criminal floresceu nos últimos quinze anos do século passado, nos Estados Unidos, a indústria eleitoral no Brasil começou a crescer no início deste século, com a introdução do voto eletrônico. Porém, no momento em que a indústria criminal ou de encarceramento começava a cair nos Estados Unidos, a partir do ano 2000, a indústria do voto eletrônico começava seu estágio de crescimento, podendo o Brasil ser considerado como o berço da expansão da indústria eleitoral no mun do, apoiada por grandes corporações.




Vale mencionar que a redução da privatização das prisões nos Estados Unidos seu deu, em parte, por conta das críticas de setores da sociedade civil, incluindo a participação de organizações religiosas, a exemplo da Igreja Prebisteriana, da Igreja Metodista e da Igreja Católica, através de vários bispos, que adotaram uma posição contrária à privatização de presídios, como forma abominável de se ter lucros, através da punição de prisioneiros. Os bispos da Igreja Católica pediram respeito à dignidade humana de cada e toda pessoa.




Assim sendo, na virada do século, enquanto o movimento anti-prisão privatizada, nos Estados Unidos, sinalizou que questões éticas e morais sobre prisões privadas terão uma voz estrondosa nas deliberações de futuras políticas, no Brasil a indústria do voto eletrônico surge a todo vapor, sem a sinalização de que questões éticas sejam consideradas. Tanto é assim, que nas próximas eleições, os eleitores brasileiros serão submetidos aos horrores da tecnologia biométrica, recentemente testada no Haiti. Vale lembrar que há muitos anos, Lombroso, na Itália, já utilizava a biometria para identificar criminosos por traços físicos.




Além disto, da mesma forma que nos Estados Unidos se fala da “McDonaldização” da Justiça Criminal, ou seja, a utilização de princípios burocráticos da indústria de refeições rápidas (fast-food) da cadeia de alimentação da McDonald’s, aplicados em setores do serviço público, aqui no Brasil estamos assistindo a “McDonaldizaão” no âmbito da Justiça Eleitoral, no tocante à utilização do voto eletrônico.




Assim sendo, em nome da eficiência, calculabilidade, previsibilidade, padronização e controle, a McJustiça ou “McDonaldização” da Justiça começa a ser evidenciada. No caso do Brasil, constata-se que os princípios básicos da democracia foram destruídos, ao retirar do eleitor a sua capacidade de controlar o seu voto, cuja contagem é hoje entregue a empresas privadas e terceirizadas, com o apoio da Justiça Eleitoral. Só através de uma McJustiça é que o eleitor perde o direito de controle de como se dá a contagem de votos, onde o que importa não é mais este princípio democrático, mas a rapidez de contagem de votos. 




A rapidez com que são divulgados os resultados de uma eleição, em poucas horas, parece deixar muitos eleitores satisfeitos, tanto quanto os brindes ou descontos de quem come um hambúrguer ou Big-Mac na cadeia da McDonald’s. Em resumo, até que ponto uma McJustiça compromete a Justiça?




Enquanto parece ser um tabu se falar em voto eletrônico no Brasil, a indústria do voto eletrônico se expande vertiginosamente, sofisticando cada vez mais a sua tecnologia, num mercado que envolve milhões de dólares. A Alemanha proibiu o voto eletrônico por ser inconstitucional. A Holanda também interrompeu o uso desta tecnologia, ao provar a sua falta de segurança. As democracias tradicionais não utilizam esta tecnologia pelas razões acima citadas. Por que no Brasil houve esta expansão do voto eletrônico? Quais os interesses em se manter um mercado de características monopolistas tão promissor, que incentiva a privatização e a terceirização? 




Recentemente, alguns criminalistas têm identificado e levantado questões sobre a forte ligação entre o setor privado e a justiça criminal, sobretudo nos Estados Unidos e outros países desenvolvidos. Uma sociedade que valoriza uma Justiça relativamente autônoma em relação aos empreendimentos econômicos e lucrativos, precisa dar atenção a maneira como a tecnologização nas áreas da justiça (criminal, eleitoral, civil etc) se relaciona com a colonização monetária da própria Justiça, como se tem evidenciado na literatura.




Não se pode negligenciar a convergência da justiça com o dinheiro, negócios, comércio e outros interesses empresariais. Quando os interesses econômicos se intrometem em matérias de lei, justiça e punição, o que pode surgir é o negócio da lei e da ordem, direcionado por comerciantes ou mercenários, cujos interesses se estabelecem na lei do mercado livre, através de lucros e outros desvios ilegais. 




O Brasil é carente não só de uma reforma política, mas de uma profunda reforma eleitoral, que deve começar com a administração das próprias eleições. 




José Rodrigues Filho é Professor da Universidade Federal da Paraíba. Foi pesquisador nas Universidades de Johns Hopkins e Harvard.

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