"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

terça-feira, 28 de junho de 2011

Democracia Participativa: uma nova forma de entendermos a democracia



A crise da democracia representativa e a inaplicabilidade da democracia direta. 

Serão apresentadas a seguir algumas definições conceituais. 


A democracia direta


Quando pensamos na origem da democracia nos reportamos à experiência vivida na Grécia clássica. Atenas é considerada por muitos o berço da democracia. É a partir desse momento que passamos a entender a gestão dos negócios públicos como o resultado do desejo de uma maioria. Não existia, nesse modelo, a figura dos representantes e, conseqüentemente, eleições.

O complexo governo de Atenas pode ser resumido da seguinte maneira: uma assembléia a que todos aqueles que eram considerados cidadãos podiam participar, e lá eram tomadas as principais decisões públicas. Atualmente, a impossibilidade de implementação de um sistema como esse é explicada, principalmente, por três razões: o enorme contingente de cidadãos existente em um país, a extensão dos territórios nacionais e, conseqüentemente, o tempo que seria gasto para que decidíssemos algo. 


A democracia representativa


A democracia representativa não pode ser entendida como uma resposta histórica às impossibilidades geradas pela democracia direta. Isso porque a trajetória do conceito de democracia não é linear.

No século XV, na Suécia, foi criado um parlamento que dava a representantes do povo, da burguesia, do clero e da nobreza voz num parlamento. Já no século XVII, funcionando como sistema de pesos e contrapesos - com o intuito de limitar o poder absolutista -, a Europa experimentou uma série de experiências de separação dos poderes.

Ocupando lugar nos parlamentos, estavam cidadãos eleitos para representar determinadas parcelas da sociedade. É dessa escolha que nasce a idéia de democracia representativa. 


O século XX e a crise da representação


Iniciamos o século XX com a percepção de que não bastava mais pensarmos em representação de determinadas classes no poder. A idéia de que deveria votar quem tinha algo a perder - sob o aspecto econômico - foi paulatinamente deixada de lado. 

Passava a vigorar o sentimento de que todos os cidadãos podem contribuir para a construção do poder, e isso significa dizer que nenhum adulto deve ser isentado do voto. Nasce a idéia do sufrágio universal. 


A mulher passa a fazer parte da política, assim como os cidadãos das classes mais pobres. Atravessamos grande parte do século XX sob a crença de que a forma representativa, desde que assegurada a liberdade de participação de todos os cidadãos, era "ideal" para contemplarmos amplamente o conceito de democracia. 


Após quase cem anos, chegamos ao fim do século XX acreditando na existência de uma crise dessa forma representativa. 

Mas o que nos leva a esse tipo de percepção? Os representantes já não conseguem mais identificar e atender todas as demandas da sociedade. 


Primeiro porque a globalização e a economia mundial enfraqueceram o poder dos Estados. Segundo porque a sociedade tem se organizado melhor em torno de infinitas questões, e essas organizações têm cobrado de maneira mais efetiva os governos e seus representantes. 

As exigências vêm se tornando mais complexas, e parece clara a necessidade de interatividade entre o governo e a sociedade, ou seja, entre representantes e representados. 

O papel das organizações no século XXI


O conceito de democracia sofre então uma nova guinada em sua dinâmica trajetória. O sistema representativo já não responde aos anseios da sociedade, e a democracia direta parece inviável. Como resultado, começa a se fortalecer o conceito de democracia participativa, com características semidireta, ou seja, não desconsidera os representantes, mas aproxima a sociedade da arena decisória. 

De acordo com alguns teóricos, a democracia participativa passa a configurar-se como um continuum entre a forma direta e a representativa. Nesse sentido, a Organização das Nações Unidas define em seu relatório sobre o Índice de Desenvolvimento Humano de 2000 uma nova forma de se entender a democracia. Já não nos basta votar em eleições livres, e nem tampouco garantir a existência de oposição, liberdade de imprensa etc. 

Essas exigências já fazem parte do conceito mais elementar de democracia. As nações modernas precisam incentivar a sociedade a organizar-se. O objetivo é fazer com que, juntos, os cidadãos reivindiquem espaço e avancem em suas conquistas. Ao Estado cabe oferecer ferramentas que catalizem essas demandas, afastando-se da clássica visão horizontal de poder. 

A participação institucionalizada no Brasil


A promulgação da Constituição de 1988 iniciou a retomada do conceito de cidadania no país. Durante a elaboração da Carta Constitucional, a sociedade buscou participação na construção do texto oficial.

Reconhecendo a importância dessa contribuição, foram criados três mecanismos que aproximaram a constituinte da sociedade. O primeiro deles foi um banco de dados disponibilizado pelo Senado.

O Sistema de Apoio Informático à Constituinte (SAIC) coletou, por meio do preenchimento de um formulário distribuído por todo o país, 72.719 sugestões. 


Além disso, a sociedade foi chamada para comparecer a reuniões de subcomissões temáticas. Foram cerca de 400 encontros, de onde emergiram mais de 2.400 sugestões. Após a elaboração do anteprojeto, uma terceira e última possibilidade foi ofertada. 


De acordo com o artigo 24 do Regimento Interno da Constituinte, entidades associativas, legalmente constituídas, teriam um prazo de pouco mais de um mês para coletar 30.000 assinaturas e apresentar emendas a esse anteprojeto. A responsabilidade por tais sugestões deveria ser encabeçada por três entidades. 

Durante o curto período de tempo que tiveram, foram colhidas mais de 12 milhões de assinaturas, e encaminhadas 122 emendas populares. Dessas, 83 atenderam às exigências regimentais e foram defendidas por interlocutores no Congresso. O processo constituinte foi um claro exemplo do poder de mobilização da sociedade em torno de questões de interesse coletivo. 

A coleta de 12 milhões de assinaturas, as 2.400 sugestões e o envio de quase 73 mil formulários ao SAIC transpareceram a esperança de que, após o regime militar, estávamos dispostos a participar ativamente das decisões políticas do país. A Constituição, no entanto, não respondeu a contento a essa demanda. O voto foi garantido a todos os cidadãos. Uma participação que fosse além desse instrumento pontual, no entanto, não foi contemplada. 

O referendo não foi utilizado ao longo dos anos que nos separam da promulgação da Constituição. O plebiscito foi usado, nacionalmente, apenas uma vez - quando decidimos manter nossa república presidencialista. Por fim, as leis de iniciativa popular passaram a exigir um esforço descomunal da sociedade. 


Para apresentar uma lei à Câmara dos Deputados são necessárias mais de um milhão e cem mil assinaturas, o que corresponde a 1% de nosso eleitorado. Um único projeto venceu essa barreira. Sua aprovação ocorreu em 1997, transformando-se na lei 9.840/97 que trata da corrupção eleitoral. A sociedade, após a marcante participação no processo constituinte, teve seus impulsos arrefecidos. 

As modernas formas de participação


A despeito dos tradicionais canais de participação - garantidos em quase todas as constituições democráticas do mundo - o país não assistiu a utilização em escala razoável de tais instrumentos. Medidas inovadoras, no entanto, surgiram e tornaram-se exemplos emblemáticos do compromisso de políticos com a transparência e com a aproximação entre representantes e representados.

O Brasil tornou-se um exemplo mundial no desenvolvimento de ferramentas alternativas de participação. 


Em 1989, destaca a ONU, o Orçamento Participativo de Porto Alegre tornou-se um símbolo do controle social sobre a aplicação das verbas destinadas aos investimentos. A medida espalhou-se pelo país, e hoje centenas de governos - estaduais e municipais - implementaram tais ferramentas. Em inúmeras localidades também foram testadas, com sucesso, experiências de Gestão Participativa. 

Além de discutir os investimentos, a sociedade passou a participar de reuniões que visavam democratizar o gerenciamento de alguns serviços. Além dessa ferramenta, milhares de Conselhos Gestores de Políticas Públicas surgiram para discutir temas pontuais, dando aos governos diretrizes e idéias a respeito de serviços pontuais. 


Por fim, surgiram as Comissões de Legislação Participativa, uma iniciativa inaugurada pela Câmara dos Deputados que, rapidamente, espalhou-se por dezenas de estados e municípios. 

A idéia consiste em viabilizar a participação da sociedade nos trabalhos legislativos. A comissão recebe idéias enviadas por organizações da sociedade, sem a necessidade de coleta de assinaturas, e as aprecia. Aprovadas nas reuniões internas, as proposições passam a tramitar normalmente, como uma proposta parlamentar comum. 

Escolas de política e educação para a cidadania


O que essas experiências brasileiras apontam é que a implementação de tais ferramentas torna-se verdadeiras escolas de cidadania à população participante, e o interesse se eleva de acordo com o funcionamento do mecanismo. Em Porto Alegre, por exemplo, aumentou muito o número de participantes a medida em que a sociedade notou a eficácia do instrumento. 

A percepção de que a política transcende o voto é fundamental, sendo a deliberação e a participação indispensáveis ao atendimento das modernas concepções de democracia. Em outros casos, como, por exemplo, a Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados, o interesse ainda é pequeno, o que gera algumas distorções. 


A despeito dos ensinamentos que tais ferramentas oferecem aos cidadãos, temos um grande contingente que não reconhece a importância de tais mecanismos e, consequentemente, não procura participar. 

Nesse caso, é necessário pensarmos em um rigoroso programa de educação política. A sociedade não pode descobrir a importância da participação apenas na prática, pois muitos não têm a oportunidade, ou o interesse, de atuar. O papel do cidadão precisa ser revelado na escola, como forma de legitimar ainda mais as ferramentas participativas e a democracia como um todo. 

Algumas iniciativas educacionais são emblemáticas, mas alcançar o país como um todo exige um esforço ainda maior, exige um compromisso governamental. Humberto Dantas, doutorando em Ciência Política pela USP, professor universitário, consultor do Instituto Ágora do Eleitor e da Democracia e voluntário do Movimento Voto Consciente.

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