"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Comentários sobre a obra "Do país constitucional ao país neocolonial"



Análise e comentários sobre os capítulos da excelente obra do jurista Paulo Bonavides. Esta obra mostra como ocorreu o retrocesso do Brasil com o golpe de estado e impactos sobre o regime constitucional até então vigente.



O Século XX ficou assinalado na História por uma serie de acontecimentos que instituíram a hegemonia de uma única superpotência, determinado, ao mesmo passo, com o advento da globalização e do neocolonialismo, o acaso político e econômico de inumeráveis Estados do Terceiro Mundo.


Os Estados por sua vez, passam por um eclipse de soberania. Sua ordem constitucional, por conseguinte, nunca esteve tão quebrada, tão desfalecida, sem embargo de aparente calmaria das instituições.


Verificada a queda do muro de Berlim e a dissolução da União Soviética, instalou-se a crise do socialismo e uma suposta neutralidade do campo ideológico, a qual vem sendo exibida, com ares triunfais, pelo capitalismo e sua recente ideologia “sem ideologia” cifrada no neoliberalismo da globalização.


Em relação às nações contemporâneas, todas elas ao cabo do Segundo Milênio, se sentem, em grau maior ou menor, submetidas à servidão da pax americana, que introduziu esta enorme contradição, conceitual, e palpável: o direito internacional do mais forte, que faz as guerras sem declará-las e poderá, em breve, governar o mundo suprimindo tribunais e soberanias.


É o perfil internacional do desespero que faz escravos, ao invés de fazer cidadãos, que suprime a identidade dos povos e globaliza a resignação dos fracos.


Desde a terceira década do século XX que o constitucionalismo brasileiro se tem volvido para a construção de um País atado aos princípios do Estado social, à observância, tanto quanto possível rigorosa, de sua doutrina e ideologia, no afã de erguer uma sociedade mais justa, mais humana, mais fraterna, capaz de seguir a linha jurídica de propósitos fundamentais enunciados, em síntese, no art. 1º da Constituição Federal e, ao mesmo passo, corrigir as desigualdades sociais e regionais que lhe mimam a estrutura e lhe obstaculizam as vias libertarias do desenvolvimento.


Com o golpe de Estado Institucional, liberais e globalizadores se apoderam, em definitivo, não apenas do governo, mas das instituições, regidos por um pensamento a teoria do Estado Nacional soberano, refrataria, por natureza e essência, aos cânones da globalização.


Donos do regime, das instituições, da Constituição, da soberania, do Estado e do governo, graças a golpe de Estado institucional, os autores desse golpe se tornam, também, os senhores absolutos dos destinos do País.


Com o golpe de Estado institucional as instituições não mudam de nome; mudam, sim, de teor, substancia e essência. De sorte que uma vez levado a cabo, a conseqüência fatal, no caso específico do Brasil, é a conversão do País constitucional em País Neocolonial. 


É também a perda da soberania, a desnacionalização, a desconstitucionalização; o afrouxamento dos laços de unidade; o excesso de arbítrio concentrado na esfera executiva; a quebra do pacto federativo; a desarmonia e a guerra civil dos Poderes; a decadência e corrupção da autoridade; o desrespeito a Justiça; a impunidade, a violência os direitos fundamentais.


São todos eles cúmplices na derrocada do Estado constitucional e na metamorfose que coloca o Brasil sob a iminência de retroceder dois séculos e transformar-se noutra África colonial.


Três poderes constituintes distintos atuaram ao começo da formação constitucional do Brasil. Dois deles impessoais e coletivos com sede num colégio de soberania, em nome do principio da legitimidade representativa.


Socialmente, o Brasil é o país mais injusto do mundo; por paradoxo, sua riqueza fez seu povo mais pobre suas elites mais ricas numa proporção de desigualdade que assombra cientistas sociais e juristas de todo pais.


De país constitucional se converte gradativamente em país neocolonial, em “colônia de banqueiros”, praça de “negócios da China” e mercado de especuladores internacionais, que lhe sugam as riquezas, lhe empobrecem o povo e criam a mais injusta divida externa e interna já contraída, este século, por um Estado.


AS QUATRO CRISES DO BRASIL CONSTITUCIONAL


A crise constituinte


É a atual crise. Com as medidas provisórias fica por igual patenteada a crise legislativa do regime.


Sujeitas a perderem a eficácias se não forem convertidas em lei no prazo de trinta dias a partir de sua publicação, o Poder Central perpetra um abuso inominável quando se reedita por via obliqua e, assim, usurpa a legitimidade do legislador, quebrando o principio da separação dos poderes e deposita nas mãos da autoridade executiva um poder de arbítrio sem limites. 


As medidas provisórias de usurpação, cujo efeito imediato é concorrer sobre modo para enxovalhar o regime, minar a segurança jurídica e aniquilar a legalidade e a legitimidade com que se legisla no País.


A crise constituinte brasileira atinge também o Poder Judiciário, onde pode ser vista pelo ângulo da inviabilidade funcional de sua mais alta corte de justiça.
Em relação ao principio da legalidade, não se toca nele sem repercutir no principio da legitimidade. As medidas provisórias assim o demonstram.


A crise constitucional


A crise constitucional é crise tópica, crise na Constituição e que da Constituição, mesma, recebe em termos jurídicos e políticos, seu remédio eficaz, não se propagando salvo em eventualidade excepcionalíssima, as instituições.
A crise na constituição é diferente de crise constitucional. Uma de todo superficial, não arranha as instituições. 


A outra, ao contrario, mais profunda, corrompe, fere e abala as instituições.


A crise de Soberania


O Brasil subscreve com o FMI cartas de intenções – diga-se de passagem, nunca cumpridas – que tem sido alvo no meio jurídico e em círculos de oposição ao governo, de pesadas objurgatórias, por significarem documentos de abdicação de soberania, e sujeitarem o País a um status de vassalagem econômica e financeira equivalente à perda parcial de sua independência. 


Esta é a Política Econômica brasileira e a crise da Soberania


Mas o temor generalizado é que essa crise se aprofunde gerando outra, muito mais grave, a saber, a de unidade nacional designadamente oriunda de debilidade da soberania. Seu fantasma habita a região amazônica, cobiçada internacionalmente por suas incomparáveis e copiosíssimas riquezas, que jazem na maior parte adormecidas ou intactas, com uma potencialidade de exploração acima, porem, de toda expectativa.


A crise da Unidade Nacional


A potencial crise que ora se desenha tocante ao desenvolvimento da Amazônia e à exploração intensiva de seus recursos naturais já suscita imediato temores, tocantes à proposta de autodesenvolvimento sustentável, todavia foi recebida com frieza, e até combatida, nos meios onde domina mais forte o sentimento nacionalista e o temor do desmembramento e da internacionalização da vastíssima região; reserva de um potencial Maximo de riquezas, que no Brasil ainda estão por explorar, em proveito de sua economia.


De tudo que já expendemos sobre a Amazônia, infere-se que aquela crise – caso se instale- poderá desintegrar o Brasil, em termos definitivos, acabando com a unidade política e geográfica do Estado, e amputando-lhe parte considerável se seu território. Acarretaria também noutras regiões um processo semelhante de desmembramento político.


A globalização é o fascismo branco do século XXI: universaliza o egoísmo e expatria a solidariedade.


Em rigor, das quatro crises referidas, a constituinte, a constitucional, a de soberania e a de unidade nacional, apenas a derradeira não estalou ainda no País, embora haja enorme potencial de risco de sua atualidade, nomeadamente quando o tema é a Amazônia.


A SALVAGUARDA DA DEMOCRACIA CONSTITUCIONAL


Plebiscito e constituinte no idioma político da liberdade são sinônimos de democracia. Mas no léxico do absolutismo presidencial, que arruína com medidas provisórias o edifício da Constituição, sofrem singular metamorfose semântica, não passando, portanto, de corruptelas da democracia, cuja versão cesariana é sempre fatal as instituições fundadas no contrato social e no principio da separação de poderes.


Em verdade, as Medidas Provisórias são piores que os decretos-leis: são alvarás da ditadura constitucional; mas afins ao regime do Brasil-Colônia que à arrogância centralizadora do Brasil Imperial.


A nosso ver a democracia, conforme temos reiteradamente assinalado, é a essa altura da civilização política, direito de gênero humano, direito de quarta geração , direito cuja universalidade, em rigor, deriva de sua natureza principal e, como principio, entra ela de forma constitutiva no ordenamento republicano.


A fórmula “direitos humanos” consagraria em primeiro lugar, pelas suas raízes históricas, os direitos do homem antes de seu ingresso nos Códigos e nas Constituições como direito positivo e publico dos ordenamentos nacionais.


Garantir direitos faz parte da natureza e essência dos regimes constitucionais. Tal se infere do texto oracular dos fundadores do constitucionalismo. Direitos e garantias individuais não tem, por conseguinte, em nossa Lei Maior outra acepção se não aquela que deveria da simbiose dos direitos da primeira geração com os da segunda.


O Estado de Direito não se define apenas pela legalidade, mas pelos princípios constitucionais, por considerações superiores de mérito, que o governam e fundamentam.


Sobre ser Estado de separação de poderes, é Estado de direitos fundamentais, Estado constitucional, Estado da legitimidade, da cidadania e, sobretudo, da porção e tutela da dignidade da pessoa humana; enfim, Estado que faz justiça, da razão e da liberdade os esteios do regime político e da organização social.


Mas sobre esse Estado paira a nuvem negra da globalização. Sem nenhum exagero pode-se dizer da globalização, que tem uma única ideologia; um único altar: a bolsa de valores; uma única divindade: o lucro; e uma solitária aliança: o pacto neoliberal.


O PODER JUDICIÁRIO E A DEMOCRACIA


O Poder judiciário pode ser visto como o poder mais vulnerável, o mais exposto às vicissitudes e fraquezas da organização política, alem de ser o mais sujeito a reparos, nem sempre justos.


Os que formulam propostas de reforma do Judiciário, com o intuito de fazer mais eficaz a prestação jurisdicional, acoimada até agora de omissa, lenta, burocrática e tardia e, por isso mesmo, considerada irmã gêmea da impunidade ou fautora indireta da corrupção dos governantes, nem sempre ao malogro, se o tratamento das mazelas judiciais não se fizer acompanhar de uma transformação no comportamento do Executivo e do Legislativo, donde promanam vícios que contaminam o ser social e o ente publico.


A crise não é propriamente do poder Judiciário, mas do Estado mesmo e, neste, do Poder Executivo, seu ramo hegemônico, onde ela grassa com extrema virulência e intensidade, irradiando-se, em seguida, aos demais Poderes.


Dos três poderes é congenialmente o mais fraco e, de tradição, aquele que mais dificuldade teve, no passado, para sobrepor-se às pressões executivas de denominação.


Em relação à crise constituinte, via de regra, é a crise que aflige os Países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento cujos sistemas políticos se mostram imponentes para manter a constituição e, por isso mesmo, rolam na aventura dos golpes de Estado e das ditaduras, com as instituições submersas no caos ou no absolutismo.


Quanto mais largo o hiato entre a constituição e a realidade, o Estado e a sociedade, a norma e a sua eficácia, os governantes, a lei e a justiça, a legalidade e a legitimidade, a constitucionalidade formal e a constitucionalidade material, mais exposto e vulnerável à crise constituinte fica o arcabouço do ordenamento estatal, por cujas juntas e articulações estalam todas as estruturas do poder e da organização social.


Em razão de não ter sido possível ate hoje a, debelar no Brasil a crise constituinte, a qual permanece latente, apesar das varias Constituições que o País jê teve, a conclusão a que se há de chegar é que todas as Cartas Magnas padecem, por sua origem, natureza e aplicação alguma deficiência de legitimidade, de tal modo que, unicamente , por obra de ficção e abstração se pode falar , aqui, na existência de um poder constituinte ilimitado, absoluto, primário, originário ou rigorosamente de primeiro grau.


Ao passo que se alarga e, ate certo ponto, tende a aumentar em proporção geométrica o numero de pleitos judiciais, o corpo de juízes se contrai ou tende a diminuir, provocando um descompasso ou desequilíbrio que atormenta e preocupa a sociedade.


Do argumento matemático se infere um risco de omissão a qualidade na prestação jurisdicional, fazendo o Poder Judiciário caminhar de costas para o povo, cujas necessidades e exigências se avolumam, determinando uma queda de teor democrático da função que esse Poder Constitucional tem sido chamado a desempenhar na grave conjuntura brasileira, distanciando, assim, o País da concretização de um legitimo Estado de Direito.


A reforma do Poder Judiciário brasileiro se tornou, assim, um imperativo de democratização da justiça. E, também de sua eficácia.


O sistema vigente se caracteriza, consoante assinalados, por um Executivo que so é forte para atropelar a Constituição, expedir Medidas Provisórias e formular, com disfarce, propostas autocráticas de plebiscitos, minicosntituintes e assembléias revisoras, por onde se manifesta o desprezo do regime à conservação dos princípios democráticos e constitucionais.


Faz-se mister um Poder Judiciário que não se curva a esse temor e cumpra sua missão constitucional de guarda da Lei Maior, prevenindo, assim, a consumação da pior das inconstitucionalidades do momento, aquela que afeta, invade e nulo fica o principio da separação da separação de poderes, clausula intangível de nosso ordenamento jurídico, nos termos explícitos do parágrafo 4do art. 60 da Constituição.


É este, sem duvida, o mais pobre, o mais fundamental, o mais indeclinável princípio, de quantos a ordem jurídica possui, com que cimentar os alicerces do Estado de Direito e fazer a Sociedade pensar livre e o Estado atuar com legitimidade.


Tem o Judiciário, de conseguinte, um compromisso com o Estado democrático de Direito.


Este mesmo Judiciário, se cumprir com a tarefa de salvaguarda da Constituição, a democracia sobreviverá, e a sociedade das gerações futuras ser-lhe-á imensamente agradecida.


A DESTRUIÇÃO DO ESTADO CONSTITUCIONAL PELA EMENDA DO PLEBISCITO E DA CONSTITUINTE


O Plebiscito da Emenda é instrumento inconstitucional esdrúxulo, de exceção e, por conseqüência, ruim da qualidade. Será criado por um poder constituinte de segundo grau, absolutamente provado de competência e legitimidade, para fazê-lo, em razão do fim a que se vincula.


Afigura-se-nos, a esse respeito, que as inconstitucionalidades das Medidas Povisorias calejaram de insensibilidade considerável parte do meio congressual, ali afrouxando, assim, a vigilância nas fileiras parlamentares e deixando, ao mesmo passo, escancarada a porta à invasão de proposições designadamente inconstitucionais, cujo ingresso devia ter sido tolhido no próprio ato de sua apresentação.


Juridicamente, tanto pelo ângulo formal como material, a Proposta absurda já chegava nula e inexistente às mãos do Relator. Não passava de um tecido de inconstitucionalidades, de uma afronta ao art. 60.


E o art. 60 funciona como as colunas do templo. Se ele cair, cai a constituição toda Não havia, pois, como fazer objeto de deliberação a admissibilidade de tão infame Proposta de Emenda à Constituição.


Quanto aos plebiscitos da atual Constituição são dois: um de teor permanente, o do art. 14, e outro, de natureza excepcional, que já vingou e se exauriu constitucionalmente na data de sua celebração, ou seja, o do art. 2º.


Com efeito, a Emenda do Plebiscito é inconstitucional tanto do ponto de vista formal como material.


Não é possível, assim, por meio do mecanismo de Emenda, alterar os requisitos formais que regem o processo de reforma ou revisão constitucional, quais se acham já declinados na Constituição mesma. Quem os declinou foi o constituinte de primeiro grau, cujo querer é inviolável.


O crime contra a Constituição é o pior dos crimes perpetrados na esfera das liberdades de um povo. Expulsa o Direito, faz o cidadão súdito, antes de fazê-lo escravo.


A Emenda tem por objetivo e fim maior a instituição de um plebiscito de dimensão constituinte, simultâneo as eleições de quatro de outubro do ano em curso.


O plebiscito da Emenda é inconstitucional; a Assembléia Nacional Constituinte que ele busca ratificar desponta, já, nula de pleno direito na consciência jurídica da Nação, pois a introdução inconstitucional da técnica convocatória lhe retira, formal e materialmente, toda legitimidade.


Em verdade, a Emenda do Plebiscito e da Constituição não se rege por um pensamento inclinado a aditar mais legitimidade e democracia à essência do regime.


A invasão executiva na área plebiscitária se tornará freqüente e inevitável, como freqüente e inevitável tem sido para o Congresso Nacional dobrar-se, indolente, taciturno e sem reação, aos abusos e inconstitucionalidade das Medidas Provisórias.


CONSTITUIÇÃO OU MEDIDA PROVISÓRIA


A separação de Poderes é sem duvida uma condição indispensável da democracia e do Estado de Direito.


Não há, por conseguinte, receita libertaria de Estado de Direito que possa prescindir desse componente indissociável e essencial que é a divisão de poderes.


Onde ele falta, as portas se escancaram ao arbítrio, à autocracia, à concentração abusiva de mando, com os governos perdendo o titulo que os legitima, e a cidadania a base da confiança que o pacto social estatuiu para o exercício da autoridade.


Sem o funcionamento normal, harmônico e cooperativo dos Poderes, a democracia representativa não se legitima.


O contributo de Leomar de Sousa é significativo, porquanto na substancia desse livro se faz percuciente analise às medidas provisórias; analise, aliais demonstrativas da singularidade desse instituto trazido do direito constitucional italiano, num traslado que ignora as distintas formas de governo estabelecidas; lá um sistema parlamentar , aqui uma república presidencial, cuja natureza mesma, pela tendência à aplicação e alargamento das competências presidenciais, desaconselharia, sem cautelas mais rigorosa, o constituinte a criar, em nosso sistema delegação legislativa tão delicada como esta, contida na medida provisória, sem duvida, a pior inovação constitucional já introduzida em nosso País para responder ao desafio da atribuição de capacidade normativa ao Poder Executivo.


Na America Latina o fenômeno das ditaduras ostensivas é cada vez mais raro. Cedeu lugar aos das ditaduras constitucionais, sempre dissimuladas e cada vez mais freqüentes e mais difíceis de combater. A Medida Provisória desconstitucionaliza a republica. O dilema é este: ou a Medida Provisória ou a Constituição.


Que o Congresso e o Supremo Tribunal Federal façam a escolha. E respondam, amanhã, perante a Nação, se esta, porventura, ainda sobrevier , integra e soberana.


PLEBISCITO E MINICONSTITUINTE


O Plebiscito como colégio constituinte é, por conseguinte, rigorosamente inconstitucional.


Plebiscitos constitucionais só existem aqueles contemplados nos art. 14 e 18 da Lei Maior, os quais dão execução ao parágrafo único do artigo 1º da Constituição, enquanto expressão da democracia semi-representativa ali estampada. 


Tão pouco viola o pacto fundamental criar plebiscito para referendar emendas constitucionais estatuídas nos termos do art. 60 da Constituição. Todavia, introduzir na Lei Suprema, plebiscito para convocar o poder constituinte originário solapa os alicerces da Carta Magna e conduz o país ao regime de exceção.


A proposta que ora tramita no Congresso Nacional dissolve materialmente o poder constituinte de segundo grau, único dotado de legitimidade jurídica para atuar nos limites da Constituição.


Se as elites brasileiras não estivessem tão ausentes e tão alheias aos deveres da cidadania e aos imperativos da verdade constitucional, tanto silencio e omissão não recairiam sobre o atentado que se vai perpetrar contra a Constituição, indubitavelmente o mais grave de toda a nossa historia constitucional.


ORAÇÃO DA MEDALHA TEIXEIRA DE FREITAS


Os regimes de força, quando se sentem incomodados, determinam o fechamento ou recesso de seus parlamentos de fachada; já os sistemas constitucionais aparentes fazem seus Executivos se desatarem do compromisso com a Lei Magna e, convertendo a exceção em regra, instauram, como no caso do Brasil, a ditadura das medidas provisórias expedidas com extrema freqüência, sem observância do requisito constitucional de urgência. 


Tornando assim, a inconstitucionalidade mais feia e ostensiva, vale-se o governo, para perpetuar-lhe a eficácia, do instrumento não menos condenável da reedição, que nem as piores ditaduras da republica chegaram a conhecer; seus decretos-leis eram mais honestos, mais sinceros, não dissimulavam o arbítrio.


Os mais obstinados e desaforados violadores da Constituição não são apenas os titulares do Poder Executivo que, na esfera do Governo Central, expedem medidas provisórias ilegais, senão, também, os autores de propostas de plebiscitos, mini-constituintes e assembléias revisoras.


Busca o Poder Executivo consolidar sua “ditadura constitucional” sob véu de legalidade aparente. Em razão disso, e com tal objeto, se processam manobras de flexibilização do texto constitucional em que o Governo, por sua maioria congressual, tanto se empenha, contando, ate mesmo, com a cumplicidade de um líder parlamentar de Oposição.


Se o poder Legislativo falha no exercício do controle preventivo de constitucionalidade, o Jurídico não é menos suscetível de repressão pela maneira como às vezes, se omite no desempenho de sua missão protetora da Constituição.


Por não enfrentar, porem, a magnitude política, jurídica e social imanente à pluralidade dimensional dos direitos fundamentais, a magistratura prefere, sempre, em matéria constitucional, os métodos interpretativos clássicos, que ai são de rara ou nenhuma serventia toda vez que o Direito cruza seu caminho com a Política, na guarda da Constituição e do Regime.


É ao juiz que cabe tolher a expansão de arbítrio e as invasões de inconstitucionalidade a que se arrima um poder autoritário, autocrático, ilimitado; um poder que é a antinação, a anticonstituição , a antidemocracia.


A inconstitucionalidade material é, de conseguinte, aquela que os tribunais menos consideram e menos examinam quando chamamos a cumprir seu dever constitucional de proteção dos Poderes e dos direitos fundamentais.


Vista pelo ângulo de seu desenvolvimento, a Medida Provisória tem sido um crime contra a Constituição porquanto fere e anula dois princípios da ordem constitucional que não podem ser quebrantados: o da legalidade e o da legitimidade.


Constituição e democracia só se fazem autenticamente exeqüíveis se for expressão de liberdade e eficácia da vontade popular, se concretizam os direitos da dimensão objetiva – aqueles que na aparição sucessiva de sua titularidade pertencem à classe, à Nação , ao gênero humano.


Preservar a Carta Magna, interpretá-la, cumpri-la, é obrigação que se deve radicar, também, no sentimento constitucional da sociedade. A Constituição é a cidadela da cidadania. É algo que completa, opulenta e afiança a cultura do consenso.



Reno Sampaio Mesquita Martins 
reno_stg@yahoo.com.br

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