"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

DOM PEDRO I, LIBERTADOR DA NAÇÃO

A personalidade de D. Pedro I nas vias da Independência.

Quando veio ter a D. Pedro o decreto das Cortes portuguesas, ordenando-lhe o imediato regresso à pátria, a conspiração pela independência já estava feita. O resultado, logo o tivemos a 9 de janeiro de 1822:

— Se é para bem de todos e felicidade geral da Nação, diga ao povo que fico.

Estava começada a luta. Daí por diante, o Príncipe é de uma vigilância, de uma atividade, de uma decisão que nada consegue abater. D. Pedro tinha a atração dos perigos. Resolvido a adotar a causa brasileira, perdeu todas as vacilações que antes o prendiam nos seus movimentos. Seguiu o seu caminho resolutamente, impavidamente, até o desfecho de 7 de setembro.

A atitude das Cortes de Lisboa em relação ao Brasil havia congregado os patriotas, deliberados a emancipar a antiga colônia com ou sem o auxílio do Príncipe Regente. As combinações para isso marchavam céleres, multiplicando-se os emissários especiais entre São Paulo e Rio, estabelecendo ligações para o grande movimento libertador.

Incumbido pelos patriotas do Rio de ir a São Paulo com uma mensagem verbal aos conspiradores, o capitão Pedro Dias Pais Leme, que foi mais tarde Marquês de Quixeramobim, entendeu que era seu dever, como amigo do Príncipe, passar na Quinta da Boa Vista e narrar-lhe o que se tramava.

D. Pedro ouviu com calma a narrativa, e ao fim, em vez de agradecer-lhe ou dar-lhe qualquer ordem, pôs-se a falar de viagens e caçadas. Até que, a certa altura, chegando à janela, começou a olhar o horizonte, no rumo do Sul. E apontando-o a Pais Leme, disse:

— Que belo dia para se viajar!

O oficial compreendeu tudo. Beijou, comovido, a mão do Príncipe, desceu rapidamente as escadas, montou a cavalo, e partiu a galope.

Dentre as influências que recebeu D. Pedro I, conduzindo-o a proclamar a Independência, destaca-se a da Imperatriz. A convivência diária com D. Leopoldina ampliava muito o horizonte de D. Pedro I, que escutava atento, com interesse, o que ela contava de sua terra natal, da corte vienense, de Napoleão, da política e história européias, dos monarcas no Velho Mundo, etc. 


A cultura de D. Leopoldina impressionava D. Pedro. Era o meio que lhe garantira, após conquistar a confiança do marido, uma ascendência crescente sobre o seu irrequieto espírito. Para o bem da verdade histórica, convém frisar que D. Pedro, apesar da pouca instrução, não ficava alheio aos assuntos científicos e intelectuais.


D. Pedro I e o senso da oportunidade na política.
O Brasil havia vencido a guerra da Independência, mas faltava Portugal reconhecê-la oficialmente. Travou-se então uma batalha diplomática, na qual a Inglaterra, maior potência de então, entrava como fiel da balança, e também impondo seus interesses. Para reconhecer a independência, a Inglaterra exigia que o Brasil lhe pagasse 1,4 milhão de libras esterlinas devidas por Portugal, e mais 600 mil libras de indenização a Portugal, além de um contrato comercial vantajoso. 


D. Pedro I reuniu o Conselho de Ministros, presidido pelo Visconde de Barbacena, e transmitiu a proposta. O ministro da Guerra objetou:

— Mas é um recuo, Majestade! Depois da luta, depois de vencidos todos os estorvos, e já senhores do País, vamos nós agora voltar para trás? Vamos pagar, em dinheiro, o que já conquistamos com sangue? Por quê? Não há motivo que justifique.

— Neste caso, Senhor Ministro, a Inglaterra intervém a favor de Portugal.

— E que mal há nisto, Majestade? Se a Inglaterra intervier, nós enfrentaremos a Inglaterra. Nós nos bateremos até a última gota de sangue.

— Mas enfrentar com o quê, Senhor Ministro? Nós não temos nada. Enfrentar com o que?

— Enfrentar de qualquer jeito, Majestade.

D. Pedro ficou furioso. Viu nitidamente que o espírito brasileiro não admitia acordos. Se entre os próprios ministros havia aquela absurda atitude patrioteira, que barulhada não haviam de fomentar os deputados? 


À vista disso, D. Pedro resolveu o caso temerariamente. Assinou dois tratados. Um ostensivo, público, pelo qual D. João VI reconhecia simplesmente a independência do Brasil. Mas assinou também outro, secreto, pelo qual o Brasil se obrigava a pagar 2 milhões de libras e a fazer com a Inglaterra novo tratado de comércio.

D. Pedro cumpriu a palavra. Pagou a dívida e assinou o tratado. O seu ato se ressente de uma ilegalidade clamorosa. Mas essa ilegalidade foi a mais abençoada das que praticou, pois permitiu-lhe alicerçar a sua grande obra. Evitou a guerra, serenou as agitações patrióticas, não se derramou mais uma gota de sangue. E criou afinal um império. O Brasil, como por encanto, apareceu como nação livre aos olhos do mundo, e isto se deveu à ousadia e temeridade do Imperador.

O major Luiz Alves de Lima e Silva, futuro Duque de Caxias, ofereceu a D. Pedro I, dias antes da abdicação deste em 7 de abril de 1831, os planos da reação contra as agitações que se avolumavam. O Imperador os recusou nos seguintes termos:

— O expediente proposto é digno do major Lima e Silva, mas não o aceito, porque não quero que por minha causa se derrame uma só gota de sangue brasileiro. Portanto, siga o major a sorte de seus camaradas reunidos no Campo de Santana.

No momento supremo da abdicação, quando era intimado a demitir o Ministério, D. Pedro I respondeu:

— Diga ao povo que recebi a representação. O Ministério passado não merece a minha confiança, e do atual farei o que entender. Sou constitucional, e caminho com a Constituição. Admitir o mesmo Ministério, de forma alguma. Isto seria contra a Constituição e contra a minha honra. Prefiro abdicar.

Foram os nossos dirigentes, depois de 15 de novembro de 1889, que implantaram o desrespeito à Constituição, e a infringiram tanto que acabaram reduzindo-a a um maço de papéis esfarrapados. Nenhum dos nossos presidentes da República teve o espírito constitucional de D. Pedro I ou de D. Pedro II, e foram eles que deram ao povo o exemplo de violar a Magna Carta do País.

Em 1831, se D. Pedro I desembainhasse sua invencível espada, a uma só palavra, a um só aceno seu, ondas de sangue tingiriam nossas praças, e as fúrias de uma indômita guerra civil invadiriam o Império inteiro, talvez por longos anos. 


A sua abdicação espontânea teve ainda a vantagem de arrancar o Brasil ao estigma de revolucionário. Foi a coroa devolvida na ordem da sucessão, segundo o direito fundamental, e por ato legal e voluntário do Imperante. Não houve combate, nem sangue nem resistência.

Testemunha ocular dos fatos afirma que durante os dias em que D. Pedro I esteve a bordo da nau inglesa, recebeu valiosíssimos oferecimentos de algumas das mais leais espadas. Agradecendo, pediu a todos que as reservassem para defesa do trono de seu filho, acrescentando:

— Desde que livremente abdiquei, o desembainhar a minha espada já não seria ato de rei, mas de rebelde.

O reinado de D. Pedro I figura, sem dúvida, como uma grande página da história nacional. A opinião de Armitage é expressiva: 


“Apesar de todos os erros do Imperador, durante os dez anos de sua administração o Brasil fez certamente mais progressos em inteligência do que nos três séculos decorridos do seu descobrimento à proclamação da Constituição Portuguesa de 1820”.

As fortunas não se originavam de favores recebidos da Coroa.


Eram a conseqüência do esforço hercúleo, do trabalho, do cultivo do solo e da conquista das florestas e das terras do interior. E por isso a sociedade, no tempo de D. Pedro I, foi honesta, sem venalidade.

Cenas da vida de D. Pedro I em família.

Naquela noite de 2 de dezembro de 1825, todo o Palácio de São Cristóvão estava ansioso e em grande expectativa. A Imperatriz Leopoldina ia dar à luz, e todos desejavam um príncipe, que seria o herdeiro da coroa. O Dr. Guimarães Peixoto saiu um pouco, para tranqüilizar a todos, e anunciou a D. Pedro:

— Tudo normal. Pode Vossa Majestade sossegar. Não há incidente nem complicação. Mais um pouquinho de paciência, e terá logo um novo príncipe nos braços.

— O seu palpite, doutor?

— Para mim, desta vez, é homem. Para mim, não resta dúvida. É príncipe.

— Príncipe?! Pois se for homem, meu caro doutor, pode pedir o que quiser, e lhe será concedido.

— Tenho a palavra de Vossa Majestade?

E voltou para os aposentos de D. Leopoldina. Algum tempo depois, sai o médico com brados de júbilo:

— É príncipe, Majestade! É príncipe!

Havia nascido D. Pedro II. O Dr. Guimarães Peixoto tinha a promessa de D. Pedro I. Podia pedir o que quisesse, mas foi muito modesto. Solicitou uma simples comenda para um filho. Fiel à palavra, o Imperador criou esse comendador de 6 anos de idade.

Chegando de uma viagem ao exterior, o Visconde de Barbacena foi ao Palácio de São Cristóvão visitar o Imperador. E um dos primeiros cuidados deste, com a amizade que votava ao discreto titular, foi mostrar-lhe o Príncipe Imperial, que seria Pedro II, e tinha apenas dois anos de idade:


— Este será bem educado, hás de ver. Eu e o mano Miguel havemos de ser os últimos malcriados da família.

D. Pedro I recebeu de Minas um belo cavalo, e resolveu dá-lo ao pai. Quando foi entregar o presente, D. João VI já havia sido prevenido pela maledicência dos adversários do Príncipe, que diziam que o cavalo era velhaco, e que o derrubaria na primeira ocasião. Disse então ao filho:

— Sim, Pedro. Já sei tudo. Queres dar-me um cavalo velhaco, que me derrube. Monta-o tu.

D. Pedro ofendeu-se. Montando o cavalo, gritou que ninguém mais o montaria, e saiu num galope furioso, até o arrebentar.

Depois da abdicação, e já a bordo da nau Warspite, que o levaria para a Europa, D. Pedro I escreveu ao seu filho D. Pedro II, que tinha apenas 6 anos: 


“Muito estimarei que esta o ache com saúde, e adiantado nos estudos. Sim, meu amado filho, isso é muito necessário, para que você possa fazer a felicidade do Brasil. 


Lembre-se sempre de seu pai, ame a sua e minha Pátria, siga os conselhos que lhe derem aqueles que cuidarem da sua educação, e conte que o mundo o há de admirar, e que eu me hei de encher de ufania por ter um filho digno da Pátria”.

Impetuoso e de bom coração, um Príncipe de medida incomum.

Deveria partir para o Sul um corpo de caçadores alemães, a fim de reforçar o exército brasileiro que lá batalhava sob as ordens do Marquês de Barbacena. D. Pedro I ordenara que o Tesouro efetuasse o pagamento dos soldos atrasados dos mercenários. 


À última hora, estando já o batalhão embarcado, foi D. Pedro avisado pelo oficial encarregado de recolher a quantia do Tesouro, que os funcionários não queriam fazer o tal pagamento. 


D. Pedro se encolerizou e dirigiu-se para o Tesouro, empunhando grossa chibata. Momentos depois fazia entrada impressionante na sala onde se achavam os funcionários responsáveis pelo não cumprimento da ordem imperial. Sobre esses, que se encolhiam temerosos, despejou o Soberano uma avalanche de censuras, seguida de golpes de chicote.

D. Pedro I passeava pelos arrabaldes do Rio, seguido por grande escolta, quando o cavalo que montava perdeu uma das ferraduras. Procurou o ferrador mais próximo e confiou-lhe o trabalho. Apenas esse começara o serviço, sentiu-se rudemente empurrado pelo Imperador, que lhe disse numa voz irritada:

— Sai daí, porcalhão, que não sabes o teu ofício.

E ele mesmo, o Imperador, em pouco tempo ferrou o animal.

Resolvida a morte de João Guilherme Ratcliff, por sua participação na Confederação do Equador, o presidente do tribunal que o julgou levou a D. Pedro I a sentença de morte, para assinatura. Era um documento longo, minucioso e violento, em que a vítima era tratada com insolência e desprezo. Devolvendo o papel, para o alterarem, rugiu:

— Não assino! Morra o homem, que é quanto basta, mas não o insultem numa sentença!

Passeando a cavalo, em companhia da Imperatriz, D. Pedro I deparou com três homens, um dos quais estava no chão, sem sentidos. Eram marinheiros americanos, cujo navio estava ancorado no Rio. Um deles fora atirado ao chão pelo cavalo, e os outros dois não sabiam o que fazer. O Imperador se aproximou, prestando ao ferido os cuidados necessários. 


Quando o viu voltar a si, deu providências para que fosse internado num hospital, para tratamento mais adequado.

Fernando de Almeida, empresário teatral, havia mandado vir da Europa uma companhia dramática, que chegou ao Rio em 1829, no dia exato em que faleceu o empresário. Abandonada a companhia, os artistas lastimavam-se por toda parte, como um rebanho que tivesse perdido o pastor. Um desses atores se queixava, quando ouviu, de repente:

— E não estou eu aqui?

Era D. Pedro I. Nesse mesmo dia, nomeou uma comissão para dirigir oficialmente a companhia.

Quando soube da decisão de D. Pedro I de terminar a aventura com a Marquesa de Santos, o Marquês de Queluz foi um dos primeiros a patentear a sua alegria, dizendo ao Imperador:

— Caístes como homem, mas vos erguestes como herói, e a admiração da Europa será a vossa recompensa.

A bordo do navio Warspite, após a abdicação, D. Pedro I teve notícia das aclamações que o seu filho recebera no dia 9 de abril, nas ruas do Rio de Janeiro. E suspirou então:

— Há pouco, iguais vivas retumbaram em honra minha. Possa a fortuna ser mais fiel a meu filho.

Evaristo da Veiga, ao receber a notícia da morte de D. Pedro I, a quem ele tanto combatera, escreveu num julgamento que se antecipava ao da posteridade:

“O ex-Imperador do Brasil não foi um príncipe de ordinária medida, e a Providência o tornou um instrumento poderoso de libertação, quer no Brasil, quer em Portugal. 


Se existimos como corpo de Nação livre, se a nossa terra não foi retalhada em pequenas repúblicas inimigas, onde só dominasse a anarquia e o espírito militar, devemo-lo muito à resolução que tomou de ficar entre nós, de soltar o primeiro grito de nossa Independência”.

Não foi um príncipe de ordinária medida, mas uma prodigiosa natureza humana, um ser de escândalo e contradição, cuja vida, tão breve, se marcou de rasgos generosos que lhe redimem erros e pecados.

Ao tomar conhecimento da morte de D. Pedro I, em 1834, José Bonifácio exclamou:

— D. Pedro não morreu. Só morrem os homens vulgares, e não os heróis!

Um comentário:

  1. “Apesar de todos os erros do Imperador, durante os dez anos de sua administração o Brasil fez certamente mais progressos em inteligência do que nos três séculos decorridos do seu descobrimento à proclamação da Constituição Portuguesa de 1820”.
    ISSO FALA TUDO SOBRE ESSE GRANDE HOMEM QUE LUTOU COM QUE TINHA, MESMO NOS TROPEÇOS FEZ O CERTO.

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