"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

sexta-feira, 28 de maio de 2010

A Sobrevivência de um Mito



A monarquia é uma palavra com mais de um significado. Literalmente, ela é entendida como "governo de um". Foi em tal sentido que Aristóteles a empregou, na obra, POLITICA, para distinguir entre essas formas de governo e a oligarquia o governo de poucos, e de democracia governo do povo. Em sentido tão Genérico monarquia poderia designar indiferentemente regimes tão diversos quanto o de Luis XIV e Stalin. No decurso da Historia porem, monarquia passou a ter significados mais específicos.


Um regime monárquico não se caracteriza apenas pela centralização em uma única pessoa. São atributos típicos de monarquia, por exemplo, a idéia de que o poder exercido tem origem transcendente ao âmbito terreno e que a sucessão deve processar-se por hereditariedade (em geral numa linha masculina).


Essas características estão particularmente presentes a monarquia absoluta, forma de governo que, na Europa, se originou da convergência de múltiplas tradições políticas, sendo o mais importante o principio da sucessão hereditária, estabelecido no Império Romano, e o princípio de concentração da autoridade, proclamado por césares e papas reconhecidos pela Igreja ortodoxa.


A emersão dos Estados nacionais trouxe a institucionalização da monarquia, a qual acabou por firma-se numa das nações resultantes d a fragmentação do império Romano do Ocidente: a França. Acima de todos s senhores feudais, passou a reinar a vontade soberana do monarca Luís XIV. Apoiado na teoria formulada por Jean Bodin, o rei proclamava, arrogante: L’Etat c’est moi ( O Estado sou eu ). Bossuet, seu biografo, qualificaria o monarca como "Lugar - Tenente de Deus".


A monarquia recebeu um dos seus grandes golpes com a Revolução Inglesa de 1688. Jaime II, que a sucedera a Carlos II em 1685, pertencia dinastia católica dos Stuart e como tal pretendia restaurar na Inglaterra o catolicismo.


Para isso Jaime deveria instituir um regime semelhante ao da monarquia francesa, mediante supressão dos direitos do Parlamento. Suas manobras nada tinham de sutil: exigiam frontalmente que o parlamento reconhecesse o direito real de violar a lei e lhe desse meio de organizar e chefia um exercito permanente que apoiasse o regime autocrático.


O conflito de interesse logo se mostrou inconciliável. O Parlamento não se dispunha a abrir mão dos poderes que a custo conquistara com a rebelião de Cromwell. A divergência culminou na deposição de Jaime II e a ocupação do trono por um príncipe estrangeiro, Guilherme de Orange que se dispunha a reina sem governar. Locke em seu Tratado Sobre o Governo justificava idealmente a transferência do poder da corte para o Parlamento, com uma discutível teoria da origem contratual do Estado.


Segundo suas teses os homens em estado natural dispõe de vários direitos que não podem exercer em condições de suficiente segurança por isso decide uni-se para defesa recíproca de suas vidas, suas liberdades e seus bens. Com esse objetivo elegem um poder legislativo destinado a formular direitos sociais (leis) e um poder executivo para aplica tais diretrizes zelando por seu cumprimento. O individuo deve obediência ao governo assim constituindo, mas fica desobrigado se o legislativo e/ou o executivo ultrapassarem os limites de autoridade a eles atribuída.


"A sociedade civil" escreveu Locke, "existe principalmente para tutelar os direitos individuais. O Estado existe para o individuo, e não o individuo para o Estado". Foi asse espírito que norteou a metamorfose política na Inglaterra a qual um regime absolutista passou a outro liberal com a burguesia começando a desalojar a nobreza do setor econômico.


Na Europa continental a alteração se processaria com a Revolução Francesa em 1789 já havia amadurecido no espírito dos lideres bem antes de se impor á realidade.


A publicação do Tratado Sobre o Governo de Locke ocorrera depois da revolução inglesa de 1688 e assim nada mais era que uma justificativa posterior de evento já materializado. Já na França a consciência política resultara de um vigoroso florescimento cultural científico a par de uma expansão econômica que aos poucos fazia deslizar o poder econômico de uma aristocracia ociosa para uma burguesia ousada e hábil.


A incapacidade da nobreza de acompanha a expansão econômica burguesa desagregou a estrutura social e levou ao ocaso o mito do rei sol. A história, pois seguiram rumos estranhos ás expectativas dos monarquistas intransigentes.


Tal inversão se refletiu obviamente no pensamento da época; na obra de Rousseau – recolocando a questão de Estado num contexto meramente terreno; num Mitesquieu, e sua teoria do equilíbrio de poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário) – um golpe decisivo na concepção absolutista do "O Estado sou eu"; nas teses iluministas do jus natura lis (direito natural), que reforçaram o corpo teórico do liberalismo burguês.


Mas a bomba colocada pela Revolução Francesa sob os tronos europeus levariam mais um século para produzir seus efeitos devastadores. Os monarcas europeus cometeram seu erro derradeiro unindo-se numa aliança para reverte o irreversível.


A Santa Aliança "do trono e do altar" forjada no congresso de Viena de 1815 conseguiu restaurar a monarquia dos Bourbon por algum tempo. Mas a contenção dos impulsos nacionalista serviu apenas para fermenta as forças represadas. Ao eclodir essas forças esfacelariam o Império Austro-Húngaro e exterminariam a aristocracia russa na colossal avalancha da I Guerra. Na Itália e em outros países o processo foi menos abrupto.


 


As tensões do nacionalismo e expansionismo burguês das reivindicações proletárias e outras manifestações da revolução industrial levaram ali a monarquia ceder terreno gradativamente, negociando sua sobrevivência e reinando com o consentimento popular e não por vontade de Deus.


As conseqüências dos dois tipos de processo político originados pela revolução francesa são evidentes no panorama atual. As dez monarquias existentes na Europa no começo do século XX estão hoje reduzidas à metade. Essa fugaz durabilidade é explicada pelo fato de que a ordem de coisas representadas pelos monarcas já fora ultrapassada pelos eventos históricos.


Na Bélgica a monarquia subsiste como fator unificante e mediador nas disputas entre Flamengos e Valões. Em outros países a Realeza perdura porque marginalizados do processo políticos tem função meramente decorativa sendo por assim dizer o ultimo baluarte das antigas tradições nacionais. Na Suécia, por exemplo, onde vigora um regime de capitalismo previdenciário o rei tem funções meramente protocolares, e o mesmo se dá com a Dinamarca, Holanda, Noruega, e Inglaterra. Enfim os reis transformaram-se em bandeiras humanas.


A maior parte da crisma e magia dos monarcas transferiu-se para os já tão modernos Ditadores surgindo o fenômeno do culto á personalidade. Mas isso já é outra estória.


Por: Tito de Stefano

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