"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

domingo, 15 de fevereiro de 2009

No Coração do Império


Com sua fina educação francesa, Luisa Margarida Portugal e Barros, a condessa de Barral, horrorizou-se com as maneiras toscas de um conterrâneo que visitava a Europa. Ele tinha as unhas sujas, comia com a faca e cultivava o desagradável hábito de bater nas costas dos interlocutores.


"O senhor Alcântara tem dois defeitos insuportáveis: é egoísta como ninguém e cabeçudo como todas as mulas do mundo", anotava a condessa em seu diário de 1871. Referia-se a Pedro de Alcântara, o imperador dom Pedro II, então em sua primeira excursão européia. Luisa brigou muito com ele: achava que sua figura simplória, sempre com o mesmo jaquetão preto, representava mal o Brasil.


Ela gozava da intimidade necessária para fazer críticas tão pessoais. Fora dama de honra da princesa Francisca, irmã de dom Pedro, e aia das filhas deste, Isabel e Leopoldina. Também era a mais querida amiga do imperador - e as palavras "amiga", "amigo", "amizade", recorrentes na correspondência entre os dois, são eufemismos: Luisa foi amante de dom Pedro II. Reconstituída com muita graça na biografia Condessa de Barral - A Paixão do Imperador , de Mary Del Priore, a vida extraordinária de Luisa permite um vislumbre único do que se passava no recesso das alcovas reais. A historiadora buscou fazer um retrato humano, despido da aura reverencial que cerca seus personagens. "Meu objetivo foi mostrar o imperador de pijama e a condessa de bobes na cabeça", brinca Mary, autora também de O Príncipe Maldito, biografia de Pedro Augusto, neto de dom Pedro II.


Nascida em Salvador, em 1816, Luisa era nove anos mais velha que dom Pedro II - mas, como certa vez disse o próprio imperador, uma "mulher de espírito" nunca envelhece. Os trechos dos diários e cartas da condessa que Mary reproduz na biografia revelam, de fato, um espírito agudo e jovial. Dom Pedro encontrava em Barral uma inteligência inquisitiva - como ele, uma amante dos livros, das línguas, da cultura, qualidades que a colocavam em franco contraste com a imperatriz Teresa Cristina, mulher de intelecto limitado.


A ligação entre imperador e condessa foi sobretudo intelectual. Nada disso significa que não tenha havido também um intenso relacionamento carnal, sobretudo entre 1856 e 1864, quando Luisa, na condição de aia das princesas Isabel e Leopoldina, tinha livre trânsito pelo paço imperial. As referências sexuais, porém, são muito veladas na correspondência trocada entre os dois (há indicações de que eles teriam destruído as cartas mais ardentes). O decoro parece ter regido a relação dos dois. Mais para o fim da vida, já viúva de Barral - o conde francês que ela traiu em seu affair com o imperador brasileiro - , Luisa sofreria certa crise de consciência. "Eu não digo que não me afastasse da boa vereda. Oh! Se me afastei dela. Mas sempre foi com a consciência do mal que eu fazia", escreve ela ao antigo amante.


A personalidade tímida e reclusa de dom Pedro II encontrou um complemento perfeito na extrovertida condessa de Barral. "Ela foi uma porta aberta para um mundo que ele só conhecia dos livros", diz Mary. Cosmopolita, Luisa sentia-se igualmente à vontade passeando na Champs-Élysées ou cavalgando pelas propriedades rurais da família, ouvindo Chopin tocar piano em um sarau parisiense ou vendo os escravos dançar lundu em dias de festa. Luisa teve uma educação liberal para sua época. Seu pai, o diplomata, político e senhor de engenho baiano Domingos Borges de Barros, acreditava que a educação feminina deveria ir além dos bordados. Mesmo assim, quis impor à filha o casamento com um amigo brasileiro, bem mais velho do que ela. Luisa, ainda adolescente, rebelou-se. Escolheu ela mesma um marido francês - o conde de Barral.


Muito próxima do ideário do pai, Luisa seria sempre uma liberal moderada. Defendia a abolição - ponto de vista que expressou na correspondência com o imperador. Paradoxalmente, não hesitava em mandar que seus próprios escravos sofressem castigos físicos - e registrava essas ordens no diário: "Roubaram os patos e o óleo de mamona: Ignácia chicoteada quinze vezes".


A condessa testemunhou de perto alguns acontecimentos críticos da história brasileira e francesa. Estava na Bahia em 1837 quando eclodiu a Sabinada, revolta contra a regência. Na França, como dama de companhia da princesa Francisca, casada com um dos filhos do rei Luís Felipe, assistiu à Revolução de 1848, que derrubou a monarquia, e seguiu com a corte dos Orléans para o exílio na Inglaterra. Estava de volta à França, em 1871, quando eclodiu a revolta popular conhecida como Comuna de Paris. Eram tempos conturbados para as casas reais. Luisa, no entanto, nunca deixou de acreditar no poder moderador e na autoridade moral da monarquia.

A proclamação da República, em 1889, foi uma desilusão: "Para mim não há mais pátria", escreveu a condessa brasileira, na França. O imperador, já sem império e sem casa, perambulava pela Europa, dependente da hospitalidade de amigos. Passou algum tempo no castelo de Luisa no interior da França. Romântico, gostava de colher flores para deixá-las à porta do quarto da antiga amante. Foram suas últimas manifestações de afeto - a condessa de Barral morreria poucos meses depois, de pneumonia, em janeiro de 1891. Pedro de Alcântara seguiu-a em dezembro do mesmo ano.

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