"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

A história dos partidos políticos no Brasil - V



O Regime Militar(1964 - 1985)


As Eleições de 1965 e a Frente Ampla


Os partidos políticos da Terceira República continuaram a funcionar nos primórdios do regime autoritário. Em 1964, confiante no apoio popular, o governo manteve o calendário eleitoral que previa a eleição de um presidente por voto direto no ano seguinte. No início de 1965, porém, considerou o projeto muito arriscado e adiou a eleição, ampliando o mandato do presidente Castelo Branco por mais um ano. As eleições para governador, que ocorreriam em onze estados, foram mantidas. A fim de melhorar suas chances, o governo editou uma série de regras destinadas a dificultar a vitória de opositores. Além dos que já haviam sido cassados, foram proibidos de concorrer também os ex-ministros do governo Goulart. Enquanto perseguia os adversários, o governo cumulava de favores os aliados.


Forçou composições políticas nos estados comandados por políticos da UDN, o partido mais fiel ao golpe. Os candidatos escolhidos receberam ainda ajuda oficial para o momento da eleição. A grande preocupação dos militares era manter o governo de dois estados governados pela UDN: Minas Gerais, com Magalhães Pinto, e o Rio de Janeiro, com Carlos Lacerda. Apesar de toda a pressão, a oposição venceu ambas as eleições (e ainda ganhou em Santa Catarina e Mato Grosso). Nem mesmo as vitórias dos candidatos oficiais em sete estados menores apagaram a impressão de uma grande derrota para os militares.


As derrotas eleitorais do governo em 1965 e o AI-2 fortaleceram a oposição ao regime. Além da desaprovação popular, um novo fator influenciou muitos políticos, sobretudo da UDN, que haviam apoiado o golpe: a percepção de que os militares permaneceriam muito tempo em cena, e não apenas o necessário para afastar os adversários de ontem e entregar o poder ao partido.


Carlos Lacerda, governador do Rio de Janeiro, líder civil do golpe – e com grandes esperanças de ser presidente – foi o mais destacado político a ter esta percepção. Derrotado em seu estado, depois da edição do AI-2 passou para a oposição ao regime que ajudara a colocar no poder. Aliou-se a um antigo adversário, Juscelino Kubitscheck, que, embora cassado, era o líder do PSD. Juntos, criaram no final de 1966 a Frente Ampla, cuja principal bandeira era o retorno ao estado anterior ao golpe. Durante todo o ano de 1967, as articulações prosperaram. Lacerda chegou até mesmo a ir a Montevidéu, onde estavam exilados o ex-presidente João Goulart e o ex-governador Leonel Brizola, para acertar a entrada do PTB na Frente Ampla.


Embora esta nunca conseguisse realizar grandes ações conjuntas, o movimento assustava: uma grande coalizão civil contra o governo militar, reunindo líderes dos grandes partidos políticos. Mas era tarde demais. A vida política do país já estava sob o controle dos militares. Entre 1967 e 1968, os principais líderes da Frente Ampla foram cassados.


O Sistema Partidário


O Ato Institucional no 2, editado em outubro de 1965, reformou o sistema político de modo a enterrar de vez as veleidades dos políticos de oposição quanto a uma volta ao regime democrático.


As eleições presidenciais passavam a ser sempre indiretas. Os candidatos se apresentariam ao Congresso, que votaria em sessão pública e com escolha nominal – uma forma de tentar eliminar eventuais surpresas desagradáveis. O sistema partidário era extinto por decreto. Na prática, as condições para a criação de partidos só tornavam plausível o surgimento de um partido favorável ao governo e outro de oposição.


O AI-2 também criava a fidelidade partidária, que obrigava todos os eleitos a votar segundo as decisões da cúpula partidária sob pena de perda de mandato. Aumentava-se assim o poder de pressão do Executivo sobre o Legislativo e impediam-se manobras pluripartidárias como as da Frente Ampla. Foi exigido que as organizações partidárias provisórias registrassem, cada uma, a filiação de no mínimo 120 deputados federais e 20 senadores (a Câmara dos Deputados e o Senado Federal eram integrados por 409 e 66 membros respectivamente). Do ponto de vista matemático, até 3 partidos poderiam ter sido criados, mas na prática se observou um bipartidarismo colocado compulsoriamente de cima para baixo e não resultado da gradativa sedimentação das preferências eleitorais da opinião pública ao longo do tempo.


Arena


O partido de apoio ao governo previsto nas regras do AI-2 foi formado rapidamente. Quase dois terços dos parlamentares (250 deputados e 40 senadores) optaram por ficar na Arena (Aliança Renovadora Nacional), o partido que prometia todas as benesses aos obedientes. A maioria desses parlamentares provinha da antiga UDN, que havia apoiado o golpe e fora pouco atingida pelas cassações e perseguições.


A eles juntou-se a maior parte do PSD, o antigo partido de centro. Neste, a divisão interna surgida no momento do golpe, em abril de 1964, aguçada com a cassação de seu principal líder (o ex-presidente Juscelino Kubitschek) e de seus parlamentares, resultou em uma cisão. Os membros do PSD que optaram pela Arena não tinham simpatias especiais pelos militares, mas muito apreço pelo domínio de instituições no Estado, agora uma possibilidade aberta apenas a quem apoiasse o governo. A composição da Aliança Renovadora Nacional completou-se com a adesão de parte das bancadas trabalhistas (cerca de 25 parlamentares).


MDB


Os poucos políticos eleitos que tiveram coragem de se reunir na agremiação de oposição ao governo militar formaram o MDB (Movimento Democrático Brasileiro). Estar neste partido era um convite para sofrer a perseguição oficial, enfrentar a ameaça permanente de cassação de mandato e direitos políticos, exercitar a prudência nas críticas.


Mesmo assim o MDB conseguiu reunir 120 deputados e 20 senadores. A maior parte dos fundadores (cerca de 65% dos parlamentares), eram sobreviventes do antigo PTB que não haviam perdido seus mandatos. O segundo contingente mais importante (cerca de 30% dos fundadores) eram políticos do PSD que haviam preferido o caminho da oposição depois de mais de duas décadas como situação (desde sua criação, o PSD não esteve no poder somente durante o breve governo de Jânio Quadros).


Uma pequena fração do partido, cerca de 5% dos fundadores, era de antigos membros da UDN, o partido político dos golpistas. Arrependidos com as conseqüências do movimento que haviam ajudado a deflagrar, esses parlamentares udenistas passaram para a oposição num momento em que seus antigos colegas de partido praticamente haviam assegurado o monopólio da grande maioria dos cargos políticos importantes.


Cassações


As eleições de 1966 foram as primeiras feitas segundo os moldes previstos no AI-2 e no estilo truculento dos militares. Era um teste para os pleitos indiretos e não houve manobra que deixasse de ser realizada para garantir a vitória dos candidatos oficiais. O movimento começou na Câmara Federal. Cada crítica aguda ao governo era seguida por um festival de cassações. Os primeiros atingidos foram os líderes do recém-criado MDB, que ainda pensavam em disputa eleitoral apesar das regras draconianas impostas pelos militares. Mesmo os aliados do governo que se sensibilizavam com tantas arbitrariedades eram punidos de modo exemplar.


Foi o que ocorreu com o presidente da Câmara dos Deputados, o fundador e líder da UDN Adauto Cardoso, que convocou os líderes da oposição punidos para participarem de uma sessão legislativa. A reação do governo foi dura: não só cassou o mandato de Cardoso como suspendeu o funcionamento do Legislativo até depois das eleições. Com isso, a disputa concentrou-se nos estados, onde ao menos os opositores tinham uma tribuna para reclamar. Porém, toda vez que levantavam a voz, vinham as punições. No Rio Grande do Sul, quatro deputados governistas que elogiaram o candidato de oposição foram cassados, assim como quatro parlamentares oposicionistas.


A situação repetiu-se nos dez estados em que haveria eleições – e a reação do governo foi a mesma, cassando os mandatos de tantos quantos se pronunciassem. Criou-se assim uma realidade insustentável para os opositores. A única saída encontrada pelo MDB para sobreviver foi se abster dos pleitos para os cargos executivos estaduais, o que garantiu a vitória da Arena em todos eles. Mesmo concentrando seus esforços nas eleições parlamentares, o MDB não escapou da previsível derrota. A Arena, que tinha 254 deputados federais, elegeu 277. O MDB passou de 149 a 132. No Senado, das 22 vagas em disputa a Arena ficou com 18, deixando apenas 4 para o MDB.


Amigos do Poder


O emprego crescente da violência como método de ação política era tanto um castigo para os opositores como um prêmio para políticos que nunca se haviam destacado no período democrático. A revolução abriu uma oportunidade para eles. Sua grande arma de ascensão passou a ser a amizade nos quartéis. Falando para ouvidos certos ganharam a possibilidade de ser indicados para a disputa de cargos elevados, esmagar adversários através de cassações – com a vantagem de que os militares ficavam com todo o ônus da arbitrariedade –, vencer pleitos e controlar à força os descontentes.


Os favoritos do regime militar, em geral, eram antigos políticos udenistas, como o maranhense José Sarney, indicado para o governo do Maranhão; Antônio Carlos Magalhães, nomeado prefeito de Salvador; ou Roberto de Abreu Sodré, governador de São Paulo a partir de 1967. Antes inexpressivos, tornaram-se de repente importantes. E trouxeram consigo asseclas de variada espécie que foram ganhando os cargos de mando deixados vagos pela truculência. Passaram a apadrinhar secretários, deputados, prepostos do governo e presidentes de estatais. Tudo em nome de uma suposta “moralização”, que iria substituir os costumes “corrompidos” dos antigos políticos que sempre os venceram nas urnas. Assim o regime militar começava a criar uma casta de privilegiados políticos, a maior parte com profundo desprezo pela democracia e o Brasil atrasado que produzia representantes de outros interesses que não os seus.


Por outro lado, os próprios militares comprometiam-se cada vez mais com esses políticos. Apostando em nomes pouco representativos, obrigando-se a dar-lhes apoio integral, perseguindo os adversários, nunca tinham respaldo popular, o que os obrigava a aumentar a perseguição para garantir o poder dos escolhidos. A partir do AI-2, criou-se um caminho sem volta que vinculava as ambições de alguns políticos à permanência do regime militar. E uma situação na qual os militares faziam o serviço sujo e pesado em benefício dos civis que os apoiavam.


Mudança do Sistema Partidário


O governo do general Figueiredo começou com um novo quadro político. Pouco depois de sua eleição e antes da posse, o Congresso aprovou uma lei que modificava as regras para a criação de partidos políticos. A Lei n.º 6.767 de 1979 reformulou vários dispositivos da Lei Orgânica dos Partidos Políticos. Acabavam ali situação e oposição como as únicas posições políticas no país. A maior liberdade para criar partidos, somada à volta de todos os políticos cassados propiciada pela anistia, imprimiu novo dinamismo à vida política nacional.


A Arena transformou-se em PDS (Partido Democrático Social), mas continuou sendo o que era: o partido de sustentação do governo, sem idéias próprias. Parte dos parlamentares preferiu sair para o Partido Popular (PP), formado juntamente com moderados do antigo MDB, o mais destacado dos quais era Tancredo Neves.


O MDB, criado pelos sobreviventes do arbítrio militar, havia conseguido transformar-se num verdadeiro partido político. Tinha programa – então baseado na volta à democracia plena e na convocação de uma Constituinte –, organização nacional, um nome de apelo forte entre o eleitorado. Por isso, os principais líderes resolveram manter inclusive o nome da agremiação, adicionando apenas a palavra “Partido” – obrigatória por lei. O quadro partidário completou-se com o surgimento de três partidos na faixa trabalhista. O Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) renasceu, sob o comando de Ivete Vargas, sobrinha do presidente Getúlio Vargas. O ex-governador Leonel Brizola fundou o PDT (Partido Democrático Trabalhista). Mas os tempos haviam mudado.


O partido mais forte na área ficou sendo o PT (Partido dos Trabalhadores), fundado por políticos de esquerda e os novos sindicalistas que surgiram depois das greves de 1978 e 1979. Defendia a existência de uma organização independente do Estado – e tinha uma, a Central Única dos Trabalhadores.


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