"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Uma Proposta Modesta: a reforma do Brasil


por: Paulo Roberto de Almeida - Publicado em 06.07.2006


Monteiro Lobato, num de seus livros da série do Sítio do Pica-Pau Amarelo, atribuiu à personagem Emília a tarefa de fazer a “reforma da Natureza”: coisa pequena, apenas corrigir alguns mal-feitos do Criador e consertar o que parecia errado aos olhos de retrós de uma boneca de pano. Dotada provisoriamente de poderes originais, a boneca logo instalou a confusão no sítio, com o que o seu mandato foi cassado e o equilíbrio anterior voltou a reinar.


Monteiro Lobato também tentou, várias vezes, “consertar o Brasil”, naquilo que ele considerava como obstáculos indevidos ao nosso processo de desenvolvimento, chegando até a enfrentar a prisão, em função de algumas de suas “sugestões”. Não creio que, ao sugerir agora uma pequena lista de propostas reformadoras, como explicitadas abaixo, eu corra o mesmo risco do valoroso Lobato: vivemos em plena democracia e a cacofonia de “reformas salvadoras” condenaria a série, de todo modo, ao limbo das sugestões sem futuro. Provavelmente vou receber apenas sorrisos condescendentes, além de alguns tapinhas nas costas, do tipo: “muito bem, vamos considerar...”.


Ou seja, não tenho nenhuma ilusão de que meu cahier de doléances, seguido de sua respectiva agenda reformista, tenha qualquer chance de ser considerado como factível por qualquer força política e venha efetivamente a ser considerado no debate que se inicia sobre as grandes opções nacionais. Em todo caso, acredito colocar as questões que me parecem mais pertinentes ao atual momento político e econômico.


Formulo, em primeiro lugar, o meu diagnóstico (muito rápido) dos problemas principais e faço, depois, um pequeno receituário, também rápido, do que poderia ser empreendido para tornar o Brasil um país melhor do que ele é atualmente para a maior parte dos seus cidadãos. Não creio, para começar, que o Brasil necessite de uma simples reforma econômica. Ele precisa, sobretudo, de várias reformas estruturais, a começar pelo terreno político, onde se encontra a chave para a resolução dos muitos problemas que explicam o nosso baixo desempenho econômico.


Como essa reforma política não virá, pelo menos não com a profundidade apontada, desejada e necessária, parece evidente que a maior parte das demais propostas não será empreendida no futuro previsível. Estarei sendo pessimista? Minha leitura realista da realidade brasileira contemporânea não me impede, porém, de apontar o que me parece fundamentalmente errado na situação atual do Brasil e de indicar uma lista de tarefas a serem consideradas pelos que se preocupam, como é o caso deste autor, com o país que queremos deixar aos nossos filhos e netos.




Primeiro: O diagnóstico.




1. Constituição intrusiva demais, codificando aspectos de detalhe que deveriam estar sendo regulados por legislação ordinária.






2. Estado dotado de excessivos poderes, despoupador, perdulário, disforme e pouco funcional para as tarefas do crescimento econômico.






3. Legislação microeconômica (para o ambiente de negócios e para a regulação das relações trabalhistas) excessivamente intrusiva na vida dos cidadãos e das empresas, deixando pouco espaço para as soluções contratuais e para negociações diretas, inclusive no que se refere às disputas, nos mercados de bens, serviços e do trabalho.






4. Preservação indevida de monopólios, cartéis e outras reservas de mercado, com pouca competição e inúmeras barreiras à entrada de novos ofertantes.






5. Reduzida abertura externa, seja no comércio, seja nos investimentos, seja ainda nos fluxos de capitais, gerando ineficiências, preços altos, ausência de competição e de inovação.






6. Sistemas legal e jurídico atrasados e disfuncionais, permitindo manobras processualísticas que atrasam a solução de controvérsias e criam custos excessivos para as transações entre indivíduos e empresas.Como podem constatar os leitores, nada mencionei a respeito daquilo que muitos consideram ser os maiores problemas do Brasil atual, quais sejam, a falta de crescimento econômico, de segurança e a preservação das iniqüidades distributivas.




É porque acredito que, uma vez realizadas as reformas sugeridas, de que trato a seguir, essas questões podem ser melhor encaminhadas pelos poderes públicos e pelos agentes privados, estes últimos constituindo, aliás, as únicas fontes de riqueza que subsidiam a ação estatal em todas as áreas entregues à sua (in)competência.







Agora: A agenda das reformas.






1. Reforma política, a começar pela Constituição: seria útil uma “limpeza” nas excrescências indevidas da CF, deixando-a apenas com os princípios gerais, remetendo todo o resto para legislação complementar e regulatória. Em vista dos seus custos para o País e os cidadãos (que pouco sabem do nível real de despesas), seria conveniente operar uma diminuição drástica dos corpos legislativos em seus vários níveis (federal, estadual e municipal). No campo da reforma eleitoral, introduzir a proporcionalidade mista, com voto distrital em nível local e alguma representação por listas no plano nacional, preservando o caráter nacional dos partidos.









2. Reforma administrativa com diminuição do número de ministérios, e atribuições de funções a diversas agências reguladoras. Retomada da privatização das empresas estatais que ainda existem e que são fontes de ineficiências e corrupção. Fim geral da estabilidade no serviço público, salvo para algumas carreiras de Estado (estritamente definidas).









3. Reforma econômica ampla, com diminuição da carga tributária e redução das despesas do Estado; severo aperto fiscal nos criadores de despesas “inimputáveis”, que são os legislativos e o judiciário. Reformas microeconômicas de molde a criar um ambiente favorável ao investimento produtivo e ao lucro e para diminuir a sonegação e a evasão fiscal.









4. Reforma trabalhista radical, no sentido da flexibilização da legislação laboral, dando maior espaço às negociações diretas entre as partes. Extinção da Justiça do Trabalho, ela mesma uma das fontes de criação e sustentação de conflitos. Eliminação do imposto sindical, que alimenta organizações de papel, de comportamento rentista.






5. Reforma educacional completa, com retirada do terceiro ciclo da responsabilidade do Estado e concessão de completa autonomia às universidades públicas (mantendo-se a transferência de recursos para fins de pesquisa e projetos específicos). Concentração dos recursos públicos nos dois primeiros níveis e no ensino técnico-profissional, cuja valorização passa pelo treinamento e qualificação adequados dos professores e a introdução de sistemas de remuneração por mérito e rendimento (diretamente aferidos pelos resultados dos alunos).






6. Prosseguimento da abertura econômica e da liberalização comercial; acolhimento do investimento estrangeiro e adesão a regimes proprietários mais avançados.Talvez subsista alguma contradição entre o título deste ensaio e o seu escopo amplamente reformista, mas o fato é que a distância entre a amplitude dos problemas brasileiros detectados e as modestas possibilidades de seu encaminhamento satisfatório pela via das reformas justifica, realisticamente, o uso do conceito. Não podemos esperar mais do que progressos modestos, se é que algum será feito nos próximos meses e anos...


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