"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

A Estratégia Brasileira para Nacionalizar a Amazônia



por: Artur Andrade da Silva Machado

Até hoje, não foram poucos os acontecimentos interpretados como pressões externas para “internacionalizar” a Amazônia. O temor por uma “internacionalização” da Amazônia brasileira remonta ao final da década de 1950 e início da de 1960, quando foi fixado o Tratado da Antártida submetendo a região antártica ao julgo internacional. Na época, preocupado com a proteção das fronteiras nacionais, o governo brasileiro criou a Zona Franca de Manaus, com o intuito de integrar a Amazônia Ocidental às dinâmicas socioeconômicas nacionais. Desde muito antes, no entanto, o governo brasileiro já demonstrava preocupação com atuação de forças externas na região.


No primeiro semestre deste ano, em parte devido à saída de Marina, mas também devido a outros fatores (como o relatório lançado pelo Bird em abril que apontava o Brasil como o país que mais desmatou entre 2000 e 2005; e a divulgação das pessimistas cifras do desmatamento do Inpe em maio), a pressão para a “internacionalização” da Amazônia de fato aumentou. Não faltam fatos ilustrativos de tal pressão, como o artigo publicado pelo correspondente do New York Times no Rio de Janeiro; as recorrentes críticas ao Estado brasileiro pelas ONG internacionais; e a preocupação, por parte dos países desenvolvidos, com os efeitos colaterais de incentivar um programa de biocombustíveis nacional, demonstrada durante a visita da Chanceler alemã à Brasília e atribuída ao candidato à presidência dos EUA, Barack Obama, pelo embaixador do Brasil em Washington, Antônio Patriota.


No entanto, embora o debate travado em torno da Amazônia no plano internacional tenha de fato pendido para uma maior cobrança de responsabilidade por parte do Estado brasileiro, tal debate não é novo, mas está associado a uma popularização da temática ambiental, que desde a década de 1970 permanece incorporada à agenda política da comunidade internacional.


As pressões internacionais sobre a gestão da Amazônia devem, portanto, ser entendidas como um processo que se estende no plano histórico e tende a se prolongar no futuro das relações internacionais do Brasil. Assim, o exercício que se faz mais válido agora é analisar como vem respondendo o Estado brasileiro a essas pressões em vias de assegurar e de legitimar sua soberania na região amazônica.


A esse respeito, seja por configurar um plano de ocupação da região, seja por representar demandas de setores oficiais por maiores ingerência e responsabilidade no trato de recursos naturais estratégicos, seja por reproduzir contestações populares à soberania brasileira na região, o trato das questões amazônicas por fontes externas sempre foi interpretado pelo governo brasileiro como ameaça aos interesses e à soberania nacionais. A leitura de ameaças à jurisdição nacional sobre a Amazônia brasileira foi responsável pela formulação de políticas públicas que visam vivificar uma região rica em recursos naturais, mas com baixa presença da população e do Estado nacionais.

Nesse sentido, embora a Amazônia, devido a suas próprias possibilidades, constitua região de potencial estratégico para o desenvolvimento nacional, as ações do Estado em vias de incorporar a Amazônia à área de atuação estatal e às dinâmicas da população nacional respondem historicamente a uma percepção da necessidade de fazê-lo devido a incentivos externos. Sob essa perspectiva, é possível argumentar que é o governo do brasileiro, e não atores internacionais, que desenvolve uma estratégia para “nacionalizar” a região.


A primeira percepção de “ameaça” que forçou a uma mobilização da atenção do Estado para a região amazônica deriva de um plano norte-americano de ocupação da região em meados do século XIX. Tal plano, atribuído ao empreendedor Willian Troousdale, era pautado na transferência da população negra dos EUA para exploração de borracha e algodão amazônicos e derivava do mito do eldorado produtivo da região, formulado em artigos da marinha dos EUA em 1853.



Nessa circunstância, o Estado norte-americano pressionou o Brasil para que este abrisse a navegação dos rios amazônicos em seu território às nações amigas. A resposta da diplomacia brasileira a esse episódio foi permitir estrategicamente a navegação de seus rios pelos países ribeirinhos superiores, protelando o pedido norte-americano até que fosse possível incentivar a ocupação da região com população nacional.


Em 1876, novamente a atenção do Estado brasileiro foi atraída para a região quando o inglês Henry Alexander Wickham levou mudas de seringueira para a Inglaterra de onde foram enviadas à Malásia e à África, o que destruiu o monopólio que o Brasil exercia sobre o comércio da borracha. Desde então o Estado preocupa-se com a “segurança” dos recursos naturais da região impondo multas pesadas pela extradição ilegal de produtos amazônicos e vendo com desconfiança a atuação de atores internacionais na região.


Mais uma vez, no começo do século XX, as pretensões bolivianas de arrendar grande área limítrofe do Brasil em seu território a uma corporação de capitalistas estrangeiros culminaram com intensa mobilização da diplomacia brasileira durante a gestão do Barão do Rio Branco, o que acabou por ampliar o território nacional sobre tal área com a aquisição do estado do Acre. Todavia, não obstante o advento de tais passagens, as preocupações estratégicas do Estado brasileiro estavam direcionadas historicamente para a região do Prata, característica que o Brasil herdara da diplomacia portuguesa de Dom João VI.


Foi somente com a ascensão da temática ambiental na agenda internacional durante a década de 1970 que a região amazônica passou a atrair atenção do Estado de maneira mais evidente. A partir de tal período, cada vez mais a Amazônia passou a ser entendida como um complexo ecológico transnacional estratégico para a manutenção de características ecológicas equilibradas nos níveis regional e planetário. Tal entendimento deriva das dimensões de tal complexo e da natureza das funções que ele desempenha. Em relação ao total dos recursos naturais planetários, a Amazônia reúne um terço das florestas tropicais úmidas, 50% da biodiversidade e 15% da água doce não congelada. Essas características lhe atribuem enorme peso na constituição do regime de chuvas da América do Sul, na possibilidade de desenvolvimento de conhecimento biológico e biogenético e na manutenção da temperatura da terrestre.


Assim, quando cresceu, na comunidade internacional, uma maior conscientização sobre a necessidade do uso sustentável dos recursos naturais já havia, naturalmente, uma crescente preocupação em combater o desmatamento florestal, o que pode ser atribuído à ativa participação das ONG na articulação dos Estados à causa ambiental.


A tal conscientização corresponderam pressões externas para que a gestão de florestas tropicais passasse a ser objeto de deliberação da comunidade internacional e de aplicação do direito internacional, o que ocorreu, pela primeira vez, durante a Conferência das Nações Unidas sobre meio ambiente e desenvolvimento realizada no Rio de Janeiro em 1992. Recentemente, o governo brasileiro foi trazido a debater a questão amazônica inclusive em cúpulas do G-8, ocasiões nas quais o ex-Premier inglês Tony Blair chegou a advogar a privatização da floresta.


Durante tal processo, já havia antecedentes da atuação do Estado brasileiro na região, estimulada pela percepção de ameaça externa à integridade do território nacional. Desde então, conforme aumentavam, em marcha cada vez mais densa, as pressões para a “internacionalização” da gestão da Amazônia, aumentava também a preocupação do Estado com a manutenção de sua soberania na região.


Assim, o Estado, que passou a considerar a região como estratégica para garantir os seus interesses de defesa, respondeu às novas “ameaças à soberania” aumentando a presença do exército no local, instituição que passou a ser o principal veículo do Estado na região amazônica.


O corpo militar brasileiro atua na Amazônia em duas frentes: o Programa Calha Norte (PCN) e o Sistema de Vigilância Amazônico (SIVAN). A primeira delas segue os preceitos da tese da vivificação da fronteira, segundo a qual a posse (presença de facto) reforça o direito ao território; assemelhando-se, dessa maneira, à estratégia que a diplomacia brasileira concebeu em meados do século XIX quando tentou incentivar a ocupação da região com população nacional. O PCN procura, portanto, incentivar a migração de nacionais e o estabelecimento de atividades econômicas nas proximidades das fronteiras com cinco países ao norte, bem como nas calhas dos rios Amazonas e Solimões.


Ao exército cabem as funções de fornecer a infra-estrutura mínima necessária para a ocupação e de monitorar tanto a navegação dos rios quanto pontos estratégicos da área coberta pelo programa.
Com o SIVAN, pretende o Estado brasileiro monitorar as fronteiras nacionais de forma a levantar informações para o combate de ameaças definidas a partir de uma noção ampliada do termo, que envolve atividades como o tráfico de ilícitos e o desmatamento.


Na prática, as informações geradas pelo mecanismo permitem a monitoração de uma série de outras variáveis, como o uso de recursos hídricos e o uso e a ocupação do solo. Em relação ao uso do solo, o Estado monitora atividades como a aquisição de terras por estrangeiros e a mineração que ficam proibidas na faixa de fronteira (no Brasil equivalente a uma área de 150 km adentrando o território nacional a partir da linha de fronteira).


A despeito da atuação do exército na região, no entanto, a pressão da comunidade internacional pela “internacionalização” da Amazônia não cessou e apareceram novos atores transnacionais aos quais o exército não está preparado para combater. Assim, nesses momentos em que se reforçam as pressões internacionais, tem o Estado nova chance de corrigir os rumos das políticas para a região. Tais políticas dependerão da leitura que o Brasil fará do teor da pressão para a “internacionalização” da Amazônia. Nesse sentido, se por um lado não há nada que aponte, nas declarações oficiais, para a constituição de uma ameaça de invasão clássica, seja por parte de algum Estado especificamente, seja por parte da comunidade internacional como um todo; por outro, a leitura que faz o Estado de pressões desse tipo é historicamente tendenciosa a uma interpretação da questão como afronta aos interesses de defesa nacional.


No entanto, a estratégia brasileira para “nacionalizar” a Amazônia precisa ser revisada. Antes de escolher entre um tipo de política e outro, o ideal seria adotar medidas pensadas para que a comunidade internacional enxergue a soberania brasileira na região amazônica como legítima. Sob essa perspectiva, faz-se necessário, para avaliar a questão de maneira holista, segmentar as fontes de legitimidade em três facetas: uma legal, garantida por tratados; uma coercitiva, garantida pelo componente militar; e uma racional, garantida pelos retornos positivos a ela vinculados.


Em relação a uma legitimidade legal, o Brasil firmou tratados com todos os países lindeiros, gozando do privilégio de não reconhecer contentas em relação às fronteiras nacionais. Em relação a uma legitimidade coercitiva, ao mesmo tempo em que o cálculo estratégico estabelece que a Amazônia é região prioritária, apenas 10% do contingente militar foi enviado à região, ficando responsável pela proteção da metade do território nacional.
Finalmente, dentre essas facetas de legitimidade, a menos desenvolvida no caso brasileiro é a racional tendo em vista que a comunidade internacional não recebe os retornos que espera ao confiar a proteção do complexo amazônico ao governo brasileiro.


Terá agora, o Estado brasileiro, nova chance de provar que essa região, tão cara à manutenção da estabilidade ecológica do planeta, está bem protegida sob sua jurisdição com o novo Fundo da Proteção Amazônica, criado no primeiro dia do mês e que conta com recursos de diversos países preocupados com a gestão responsável dos recursos naturais da floresta. Tal fundo representa uma insistência na confiança que deposita a comunidade internacional na capacidade brasileira de proteger seus recursos naturais, mas também indica que haverá ainda maior cobrança por ingerência e responsabilidade na gestão dos recursos amazônicos.


Artur Andrade da Silva Machado é Membro do Programa de Educação Tutorial em Relações Internacionais da Universidade de Brasília - PET-REL e do Laboratório de Análise em Relações Internacionais - LARI (andradesmachado@gmail.com).

Nenhum comentário:

Postar um comentário