"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

segunda-feira, 30 de junho de 2008

Carta aos Brasileiros



Quis a Providência Divina que, há vinte e cinco anos, recaísse sobre minha pessoa o múnus da Chefia da Casa Imperial do Brasil.

O transcurso desta data particularmente significativa e, mais ainda, as condições dramáticas pelas quais passa o Brasil, me impõem o dever de um pronunciamento.

Faço-o pela diligência e pelo desvelo que me animam enquanto Príncipe brasileiro.Pelo falecimento de meu saudoso Pai, o Príncipe D. Pedro Henrique de Orleans e Bragança, deu-se naturalmente minha ascensão à condição de Chefe da Casa Imperial.

Permita-se-me, pois, que para sua figura de Príncipe católico eu volte, antes de tudo, meu olhar filial e a ele dedique minhas primeiras palavras desta carta.Meu Pai foi no Brasil - em tempos em que, infelizmente, já grassava a desagregação familiar - um modelo de chefe de família.


Com a ajuda preciosa e incansável de minha querida Mãe, inculcou-me ele - bem como a todos os meus onze irmãos e irmãs - a noção dos deveres de Príncipes e das obrigações para com a Pátria.

Senhor de uma sólida cultura, meu pai voltou do exílio na esperança de empreender ampla atuação com vistas a esclarecer os brasileiros sobre as vantagens da forma monárquica de governo, na qual via a solução normal para os problemas do Brasil.


Mas como para ele a restauração monárquica não constituía uma esperança pessoal e muito menos uma ambição política particular, logo percebeu que não era possível nem oportuno desenvolver a ação pública que tanto almejava.Cônscio das limitações que as circunstâncias políticas lhe impunham, não deixou, entretanto, de em determinados momentos fazer ouvir sua voz, sempre dentro da mais estrita legalidade, dando mostras vivas de como, na condição de herdeiro legítimo ao Trono, se debruçava com afinco sobre a realidade do País.


Diante da admiração e respeito que, em sua generalidade e até sem distinção de colorido político, os brasileiros conservavam para com a Família Imperial, entendeu ele ainda o papel de natureza social que cabia à Família Imperial desempenhar no panorama nacional, "um conjunto de tradições e valores morais cuja ação de presença no Brasil contemporâneo se exerce de uma maneira discreta, porém profunda e eficaz", segundo suas próprias palavras.


Espelhei-me no exemplo paterno, de catolicidade, de fidelidade a princípios, de amor ao Brasil, nestes vinte e cinco anos de Chefia da Casa Imperial. Como ele, segui o exemplo de meus maiores na condução desta missão, acompanhando com uma atenção feita de solicitude e devotamento à evolução das circunstâncias de nossa realidade nacional.


Entretanto, essas mesmas circunstâncias exigiram de mim uma atitude de maior presença no panorama brasileiro. Assim, tive a alegria de contribuir, de modo decisivo, para uma mudança marcante na situação da corrente monárquica no Brasil, ao dirigir aos constituintes de 1988 uma carta que viria a ser determinante para o fim da cláusula pétrea e para a realização do Plebiscito sobre forma e regime de governo.


A realização de tal Plebiscito exigiu igualmente de mim e de meus irmãos - com merecido destaque para meu querido irmão, D. Bertrand, Príncipe Imperial do Brasil - uma presença marcante na cena pública.Operou-se assim uma transformação fundamental para a corrente monárquica, sobretudo após o expressivo resultado obtido nas urnas.


Deixou ela de ter sua liberdade cerceada e de ser vista como um diminuto grupo de utópicos saudosistas, para ganhar foros de cidadania e, mais ainda, se tornar uma corrente de pensamento e de ação de reconhecida relevância.


Após a realização de tal Plebiscito, a Família Imperial recolheu-se ao perfil discreto de intervenção na cena pública que a caracterizara anteriormente, na medida em que a mudança de cenário o permitia. Continuou ela a abster-se de uma interferência ativa no embate dos interesses e paixões das forças que predominam no cenário político do País, não se eximindo, entretanto, de seguir de perto e com atenção tudo o que aqui se passa e quanto no exterior diz respeito ao Brasil.


Hoje, uma vez mais, diante das circunstâncias de suma gravidade em que se encontra o Brasil, sinto-me obrigado a pronunciar-me enquanto Chefe da Casa Imperial. Levam-me a isso diversos fatores, entre os quais os apelos de monarquistas de variados pontos do País e até de brasileiros sem especiais simpatias pela forma de governo monárquica, os quais consideram que, na condição de continuador de uma linhagem tão intimamente unida aos destinos do Brasil, deveria externar minhas considerações a respeito do momento Pátrio.

* * *

O Brasil é atualmente sacudido por uma somatória de crises de naturezas diversas - morais, ideológicas, políticas, sociais, institucionais. A entrelaçar-se em todas elas, até uma crise religiosa, fruto das dissensões que perpassam os ambientes católicos e que vão repercutindo em nossa população de modo palpável.

Talvez nunca, desde sua Independência, o País tenha atravessado um momento tão grave e de tantos perigos para seu futuro.Após um processo político, cujas origens e desenvolvimento não é o momento de analisar, a opinião pública assiste ao triste espetáculo do desmoronamento das instituições públicas e do enfraquecimento do Estado, sem precedentes em nossa história.

Processo tão mais grave, uma vez que revela a intenção de impor a nosso País o domínio de ideologias alienígenas e tão distantes do sentir e pensar de nosso povo. Na história recente tanto se tem falado de liberdade e, em nome dela, quantos pensam em caminhar rumo à tirania!

A avalanche desconcertante de desmandos, indignidades, atos de corrupção e até mesmo de crimes, perpetrados em altas esferas do Poder público, geram em nosso povo um misto de desagrado, de inconformidade, de indignação. Mas, ao mesmo tempo, uma sensação de impotência diante da magnitude do ocorrido e da impossibilidade prática de reagir.


Um dos mais inapreciáveis bens e legados de nossos maiores é sem sombra de dúvidas a unidade nacional, plasmada por séculos de Civilização Cristã, desde que as naus de Cabral, marcadas pela Cruz de Cristo, aqui aportaram, trazendo em seu bojo promessas de riquezas espirituais e culturais.


Ora, é precisamente sobre as ameaças a esta unidade que recaem minhas principais preocupações. Vejo com apreensão acirrarem-se os ânimos em torno das mais diversas questões. Como que por impulsos misteriosos, tenta-se jogar brasileiros contra brasileiros em embates fratricidas, muitas vezes com o fantasma da luta de classes como fundo de quadro.


No nosso interior, verdadeiras hordas de agitadores se atiram de modo inclemente contra aqueles brasileiros que, em um esforço abnegado, aproveitam, pelas vastidões desse Brasil, as riquezas de nosso solo.Mais ainda, vozes exóticas se fazem ouvir para atacar como maléfica qualquer idéia de sadio progresso humano, acenando com soluções radicais de um completo primariam cultural e de uma inteira indigência material.


Intelectuais utópicos, políticos eivados de estranhas ideologias, adeptos de errôneas correntes teológicas, forçam a implantação de políticas públicas de conotação racial que ameaçam a integração harmônica reinante em nosso País, podendo abrir no tecido social, elas sim, em nome de um igualitarismo radical, as chagas de uma discriminação e de um racismo até agora inexistentes.


Outros tentam ainda, de tempos em tempos, com base em explosões violentas de inequívoca artificialidade, criar em nosso território "nações", cujas primeiras vítimas serão precisamente nossos irmãos indígenas que, em sua grande maioria, apenas anseiam por ser elementos positivos nessa soma de raças e de povos que aqui se foi constituindo.


Nesse quadro, já carregado, irrompe com uma fúria e uma precisão desconhecidas até agora, a mão do crime, lançando o caos em grandes cidades, aterrorizando populações e fazendo vítimas inocentes. Enquanto de cá, de lá e de acolá se fazem ouvir estranhas justificativas de tais atos, como nascidos de uma injustiça social gritante e iníqua.


Ao considerar o panorama internacional sou obrigado a reconhecer que esse ambiente de convulsão, alimentado artificialmente em nosso Brasil, está também ele presente. As relações entre nações encontram-se impregnadas da idéia de confrontos acrimoniosos, de países ricos contra países pobres, de países desenvolvidos contra subdesenvolvidos, de países do norte contra países do sul, em designações simplistas e arbitrárias.


E se tais desavenças e tensões são marcantes na cena mundial o são particularmente no âmbito sul-americano, de si normalmente tranqüilo.Nosso querido Brasil, tanto na vigência da Monarquia, como já no regime republicano, destilou uma das mais sutis escolas diplomáticas, a qual levou o País a exercer, por diversas vezes, na cena internacional papel de destaque, sempre de harmonizador dos interesses em disputa.


É, pois, com preocupação redobrada que vejo o Brasil aparecer cada vez mais, na cena latino-americana, e na cena internacional, como um fator de discórdia e de acirramento de tensões.
* * *

O conjunto dessas considerações me traz à mente as palavras que em 1987 dirigi aos deputados constituintes e que me permito aqui repetir: "Estou persuadido de que nosso povo, altaneiro, religioso e bom, nada tem de comum com as vozes enganadoras que de todas as partes se levantam, fazendo ouvir sentimentos de discórdia e anseios de convulsão".


Na verdade, o Brasil sempre anelou por uma sociedade regida pela harmonia cristã, em que reinassem a doçura, a colaboração das pessoas umas com as outras, a proteção e dedicação, a bondade e fidelidade, o gosto de ver a felicidade do semelhante, e até mesmo a grandeza e superioridade do próximo.



O Brasil herdou do português a bondade e a cordura, do índio uma grande intuição, da raça negra a capacidade de dedicar-se desinteressadamente. E dessa combinação feliz resultou esse povo que soube receber em seu seio generosamente pessoas de todas as raças e povos, que aqui se mesclam e se misturam harmonicamente.



Como que a combinar com esta alma generosa e disposta a fazer o bem, quis a Providência dotar-nos de um território incomensurável, com recursos a bem dizer inesgotáveis, em que temos todos os climas, exceto os desertos de areia e de gelo.O Brasil não tem, nem nunca teve desígnios imperialistas, no sentido pejorativo do termo. E sempre ansiou por utilizar seus dons de alma e materiais como fator de harmonia no convívio internacional.


E se houve momentos em que se ergueu com brio e ardor, até em armas, foi porque se sentiu atingido nesse senso de justiça que - apesar de pouco comentado - lhe é tão peculiar. Não de um mal entendido senso de justiça, nascido da inveja e com intuitos niveladores, mas decorrente da noção do que a cada indivíduo e cada povo cabe legitimamente.


E assim foi o Brasil, ao longo dos tempos - é verdade que, por vezes, com debilidades e fraquezas - procurando realizar sua vocação providencial, buscando um verdadeiro progresso intelectual e material, a fim de poder exercer realmente a sua influência benéfica no âmbito individual e internacional.

* * *

Seguindo as tradições de serviço e de desvelo que caracterizaram a Família Imperial - tanto na época em que dirigia os destinos do País, como posteriormente, nos anos do exílio a que a obrigaram as vicissitudes políticas ou já depois integrada à vida do País - apelo a todos os brasileiros, independentemente do colorido político que os anima, e muito particularmente àqueles que comungam dos ideais monárquicos, para que, neste momento decisivo de nossa história, procurem discernir e caracterizar os fatores de desagregação que atuam em nossa cena pública, a eles opondo uma ação esclarecedora, sempre pacífica, mas determinada.


E não se deixem envolver pelas manobras inescrupulosas daqueles que buscam, a todo o custo, dilacerar nossa unidade nacional. Dom Pedro I, seguindo as melhores tradições da Casa de Bragança, houve por bem consagrar o Brasil a Nossa Senhora Aparecida.


É para Ela que, com veneração e confiança, ao final destas considerações, se voltam meu olhar e minhas preces. Para que uma vez mais faça sentir seu desvelo e sua proteção maternais sobre este querido Brasil, a fim de que prossiga e se regenere, uno e invicto nas vias gloriosas da Civilização Cristã, rumo à peculiar grandeza - também cristã - que é o destino específico de nossa Pátria.



Rio de Janeiro, 4 de junho de 2006.

Príncipe Dom Luiz de Orleans e Bragança

Realidade Dinástica...

Dom Pedro de Alcantara de Orleans e Bragança e sua esposa

Eu o Principe Dom Pedro de Alcantara Luiz Philippe Maria Gastão Miguel Gabriel Raphael Gonzaga de Orleans e Bragança, tendo maduramente reflectido, resolvi renunciar ao direito que pela Constituição do Imperio do Brazil promulgada a 25 de Março de 1824 me compete à Corôa do mesmo Paiz. Declaro pois que por minha muito livre e espontanea vontade d'elle desisto pela presente e renuncio, não só por mim, como por todos e cada um dos meus descendentes, a todo e qualquer direito que a dita Constituição nos confere á Corôa e Throno Brazileiros, o qual passará ás linhas que se seguirem á minha conforme a ordem de successão estabelecida pelo Art. 117. Perante Deus prometto por mim e meus descendentes manter a presente
declaração.




Cannes 30 de Outubro de 1908
assinado: Pedro de Alcantara de Orleans e Bragança



Embora a maioria dos monarquistas reconheça que a sucessão dinástica de D. Pedro II esteja bem definida, para outros, uma minoria, há um questionamento que data de 1908.




Naquele ano, em 30 de outubro, o então Príncipe do Grão Pará, D. Pedro de Alcântara de Orleans e Bragança, herdeiro dinástico da Princesa Da. Isabel, como seu primogênito, renunciou aos direitos dinásticos e do trono do Império por si e seus descendentes.




Com essa renúncia, a sucessão dinástica passou para o segundo filho da Princesa Da. Isabel, Príncipe D. Luís de Orleans e Bragança, que assumiu, assim, o titulo de Príncipe Imperial do Brasil, embora tenha ficado mais conhecido entre os monarquistas como Príncipe Perfeito. Com a sua morte, em 26 de março de 1920, os direitos de D. Luís passaram para seu filho, Príncipe D. Pedro Henrique e com o falecimento deste, em 1981, para o seu primogênito, Príncipe D. Luiz de Orleans e Bragança, atual de jure Imperador do Brasil.

A origem: A renúncia se deve ao fato de que, após 8 anos de namoro e noivado, o Príncipe D. Pedro de Alcântara desejava casar-se com a Condessa Maria Elizabeth Dobrzensky von Dobrzenicz, filha do Conde Johann Dobrzensky von Dobrzenicz e da Baronesa Elizabeth von Kottulin und Krzischkowitz, uma família antiga e aristocrata da Bohêmia, porém sem laços com qualquer dinastia da Europa, reinante ou não.




Esse casamento se deu em Versailles, França, em 14 de novembro de 1908.A posição de D. Isabel: Como mãe, a Princesa Isabel nada tinha a opor às intenções matrimonias de seu filho mais velho, mas, como de jure Imperatriz e Chefe da Casa Imperial Brasileira, era contrária a esse casamento por motivos dinásticos e talvez até políticos. Ela desejava que seu herdeiro dinástico contraísse um casamento dinástico, ou seja, que o Príncipe D. Pedro de Alcântara se casasse com uma Princesa de uma das casas dinásticas da Europa.




Caso contrário deveria renunciar aos seus direitos de sucessão. E ela exigiu isto de seu filho. Os destinos dinásticos: O Brasil, em 1908, ano da renúncia, já não era Império há 19 anos, não dispunha de um governo Imperial no exílio, ou Conselho de Estado do Império, que pudesse opinar sobre a renúncia.




Desta forma, a única pessoa habilitada para deliberar sobre qualquer questão dinástica era o Chefe da Casa Dinástica Brasileira, a Princesa Isabel, de jure Imperatriz do Brasil, desde a morte de seu pai, o Imperador D. Pedro II, em Paris, França, no dia 5 de dezembro de 1891.




Na ausência de uma monarquia formal, quem dirige os destinos de uma Casa Dinástica é sempre o seu Chefe. Cabe a ele, única e exclusivamente, manter a integridade da dinastia e seus valores, sem os quais perde-se tudo que é intrínseco e verdadeiro do ideário monárquico, pois jamais pode haver dúvidas a respeito da integridade da dinastia e da sucessão.




Cabe também à Casa Dinástica manter viva a Causa Monárquica, para uma eventual restauração dentro da legitimidade Dinástica e Monárquica, dando sempre esperança aos monarquistas do antigo reino ou império. A prática dinástica: Na época, era prática, principalmente nas Casas Dinásticas de fé católica, que os Chefes Dinásticos, e seus herdeiros, deveriam contrair apenas casamentos dinásticos, a não ser que o Chefe da Casa abrisse uma exceção.




Nas dinastias católicas não é praxe a prática de casamentos morganáticos, onde o Príncipe dinástico mantém sua condição dinástica, embora o cônjuge e seus filhos não assumam essas mesmas condições. Isto é, a cônjuge não se torna uma Princesa Real e os filhos desta união são impedidos de qualquer direito à sucessão dinástica.Deve-se mencionar que o casamento morganático só tem sido praticado, com maior freqüência, nas diversas Casas Dinásticas da Alemanha e Áustria.




Em questões dinásticas, só há uma coisa em geral imutável: a legitimidade sucessória. Do mais velho ao mais moço. De resto, tudo é mutável. Mas cabe ao Chefe da Casa Dinástica, e somente a ele, por tradição, opinar sobre essas questões, principalmente em Casas não-reinantes.




Tais quais: se prevalece a linha masculina sobre a feminina, se prevalece a sucessão do mais velho, não importando seja mulher ou homem e sobre os casamentos, se devem ser dinásticos ou não, ou se serão aceitos casamentos morganáticos, ou se exige a renúncia por parte do herdeiro/a dinástico quando esse deseje efetuar um casamento fora de qualquer linhagem dinástica.




Todavia, nas monarquias parlamentaristas, muitas destas questões estão reguladas na Constituição.Casamentos dinásticos: Através dos séculos, os casamentos dinásticos não só se tornaram um hábito, mas uma necessidade.




Antes de tudo, eram através desses casamentos que se formavam alianças entre as nações. Foi assim que, no século XIV, mais da metade da França pertencia à coroa inglesa. E foi dessa forma que os Hapsburg formaram o Império Áustro-Húngaro. Contudo, estamos no limiar do terceiro milênio e muita coisa mudou nestes quase dois mil anos, como pode ser visto na Suécia, Dinamarca, Noruega, Holanda e Japão de hoje, monarquias que abriram mão da tradição dos casamentos dinásticos.




O mundo em 1908: Em 1908, com exceção da França, havia regimes monárquicos em toda a Europa. A república no Brasil permanecia em crise quase contínua. O Movimento Monárquico, embora na clandestinidade, era ativo. Não era, portanto, totalmente descabida a hipótese de uma restauração do nosso Império em médio prazo, mesmo porque o plebiscito que legalizaria a República, previsto na Constituição de 1891, ainda não fora realizado.




Dentro desse quadro, era perfeitamente natural que a Princesa Isabel desejasse, para seu herdeiro, um casamento dinástico à altura da grandeza e dignidade do Império Brasileiro. Cabe lembrar que, mesmo naquela época, os casamentos dinásticos continuavam sendo tratados como alianças políticas, portanto, como assunto de Estado. Nessa questão, a Princesa Isabel manteve-se firme na obediência às tradições, tradições essas que só ela, como Chefe de uma Casa Dinástica, poderia mudar ou modificar.




Mas não foi esse o caso. Ela não abdicou do direito de exigir um casamento dinástico que pudesse proporcionar, futuramente, alianças importantes para a restauração do Império Brasileiro.As alternativas de D. Pedro de Alcântara: Para D. Pedro de Alcântara havia, entretanto, quatro alternativas: efetuar um casamento dinástico, mantendo-se a tradição secular da dinastia e o desejo de sua mãe; efetuar um casamento não-dinástico, renunciando aos seus direitos dinásticos, como mandava a tradição; efetuar um casamento morganático, com a perda de qualquer direito dinástico para seus eventuais herdeiros, estabelecendo assim um clima constrangedor para a dinastia, e que certamente não seria aceito por sua mãe; manter-se solteiro, o que não seria salutar para um herdeiro.




D. Pedro de Alcântara optou pela segunda alternativa, casando-se com a Condessa Elizabeth Dobrzensky von Dobrzenicz, filha do Barão Johann Dobrzensky von Dobrzenicz, de uma antiga família nobre da Boêmia, do Império Áustro-Húngaro, e que foi elevado ao título de Conde em 1906, a pedido da Princesa Isabel, para tornar o casamento, realizado em 14 de novembro de 1908, mais aceitável, eis que esta já estava convencida de que o enlace seria inevitável.




Antes, porém, D. Pedro de Alcântara renunciou, ainda solteiro, em nota de renúncia, de próprio punho, em 30 de outubro de 1908, aos 33 anos de idade, na presença da Família Imperial.




O comportamento de D. Pedro de Alcântara: Até a sua morte em 29 de janeiro de 1940, em Petrópolis, onde residia no Palácio Grão-Pará, D. Pedro de Alcântara sempre honrou essa renúncia.




Quando qualquer monarquista se dirigia a ele sobre questões monárquicas brasileiras, após a morte da Princesa Isabel em 14 de novembro de 1921, ele sempre encaminhava seu interlocutor ao seu sobrinho D. Pedro Henrique, que sucedeu a Princesa Isabel (já que seu pai, D. Luís, havia falecido em 23 de março de 1920, portanto um ano e oito meses antes de sua mãe), e que continuava a morar na França, até 1945.




O questionamento da validade da renúncia: Após a morte de Dom Pedro de Alcântara, seu filho e herdeiro, o Príncipe Dom Pedro Gastão (19.2.1913), seu herdeiro, começou questionar a validade da renúncia. Entretanto, ao perceber que a maioria dos monarquistas não o considerava como herdeiro dinástico, D. Pedro Gastão não levou essa questão muito adiante. O assunto só voltou a ser centro das atenções, particularmente da mídia, por ocasião da campanha plebiscitária de 1993. Gestão dinástica de D. Pedro Henrique: Com a morte de Da. Isabel, o Príncipe Dom Pedro Henrique, neto da princesa, aos 12 anos, assumiu a Chefia da Casa Imperial Brasileira, recebendo apoio dos monarquistas e de seu tio, D. Pedro de Alcântara.




Com a revogação, em 3 de setembro de 1920, do banimento imposto à Família Imperial em 21 de dezembro de 1889, sua mãe, a Princesa Da. Maria Pia de Bourbon-Sicílias resolveu continuar morando na França, pois achava que lá o Príncipe D. Pedro Henrique poderia receber uma educação mais adequada para sua nova condição de Chefe da Casa Imperial.




Com a sua volta ao Brasil, após o término da II Guerra Mundial, em agosto de 1945, D. Pedro Henrique viu sua posição consolidada, embora, periodicamente D. Pedro Gastão fizesse algumas investidas, sem sucesso.




Gestão dinástica de D. Luiz: A suposta "questão dinástica" só começou a ganhar corpo quando D. Luiz assumiu a Chefia da Casa Imperial Brasileira com a morte de seu pai, D. Pedro Henrique, em 5 de julho de 1981.




O motivo principal desse questionamento prende-se ao fato de o Príncipe ser membro integrante da TFP - Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade, uma organização conservadora Católica que defende, segundo a opinião de muitos brasileiros, posições consideradas não condizentes com os dias de hoje.

Ferdinand Lassalle



Que é umaCONSTITUIÇÃO?

Ferdinand Lassalle


INTRÓITO

Fui convidado para fazer uma conferência perante vós e para isso escolhi um tema cuja importância não é necessário salientar pela sua oportunidade. Vou falar-vos de problemas constitucionais, isto é, do QUE É UMA CONSTITUIÇÃO.


Antes de entrar na matéria, porém, desejo esclarecer que a minha palestra terá um caráter estritamente científico; mas, mesmo assim, ou melhor, justamente por isso, não haverá entre vós uma única pessoa que possa deixar de acompanhar e compreender, do começo até o fim, o que vou expor.

A verdadeira ciência — nunca será demais lembrá-lo — não é mais do que essa clareza de pensamento que, sem tirar a suposição de alguma coisa preestabelecida, vai dimanando de si mesma, passo a passo, todas as suas conseqüências, impondo-se com a força coercitiva da inteligência àquele que acompanha atentamente seu desenvolvimento.

Esta clareza de pensamento não requer, pois, daqueles que me ouvem, conhecimentos especiais. Pelo contrário, não sendo necessário, como já disse, possuir conhecimentos especiais para esclarecer seus fundamentos, não somente não precisa deles, como não os tolera.


Só tolera e exige uma única coisa e esta é: que os que me lerem ou me ouvirem não tragam consigo suposições prévias de nenhuma espécie, nem idéias próprias, mas sim que venham dispostos a colocar-se ao nível do meu tema, mesmo que acerca dele tenham falado ou discutido, e fazendo de conta que pela primeira vez o estão estudando, como se ainda não soubessem dele, despindo-se, pelo menos enquanto durar a minha investigação, de quanto a seu respeito tenham dado por assentado.


Capitulo I

QUE É UMA CONSTITUIÇÃO?

Inicio, pois, minha palestra com esta pergunta: que é uma Constituição? Qual é a verdadeira essência de uma Constituição? Em todos os lugares e a todas horas, à tarde, pela manhã e à noite, estamos ouvindo falar da Constituição e de seus problemas constitucionais. Na imprensa, nos clubes, nos cafés e nos restaurantes, é este o assunto obrigatório de todas as conversas.

E, apesar disso, ou por isso mesmo, formulada em termos precisos esta pergunta: qual será a verdadeira essência, o verdadeiro conceito de uma Constituição?, estou certo que, entre esses milhares de pessoas que falam da mesma, existem muito poucos que possam dar-nos uma resposta satisfatória.

Muitos, certamente, para responder-nos, procurariam o volume que fala da legislação prussiana de 1850 até encontrarem os dispositivos da Constituição do reino da Prússia.
Mas, isso não seria, está claro, responder à minha pergunta. Não basta apresentar a matéria concreta de uma determinada Constituição, a da Prússia ou outra qualquer, para responder satisfatoriamente à pergunta por mim formulada: onde podemos encontrar o conceito de uma Constituição, seja ela qual for?

Se fizesse esta indagação a um jurisconsulto, receberia mais ou menos esta resposta: “Constituição é um pacto juramentado entre o rei e o povo, estabelecendo os princípios alicerçais da legislação e do governo dentro de um país”. Ou generalizando, pois existe também a Constituição nos países de governo republicano: “A Constituição é a lei fundamental proclamada pelo país, na qual baseia-se a organização do Direito público dessa nação”

Todas essas respostas jurídicas, porém, ou outras parecidas que se possam dar, distanciam-se muito de explicar cabalmente a pergunta que fiz. Estas, sejam as que forem, limitam-se a descrever exteriormente como se formam as Constituições e o que fazem, mas não explicam o que é uma Constituição.

Dão-nos critérios, notas explicativas para conhecer juridicamente uma Constituição; porém não esclarecem onde está o conceito de toda Constituição, isto é: a essência constitucional. Não servem, pois, para orientar-nos sobre se uma determinada Constituição é, e porque, boa ou má, factível ou irrealizável, duradoura ou insustentável, pois para isso seria necessário que explicassem o conceito da Constituição.

Primeiramente torna-se necessário sabermos qual é a verdadeira essência duma Constituição, e, depois, poderemos, saber se a Carta Constitucional determinada e concreta que estamos examinando se acomoda ou não às exigências substanciais. Para isso, porém, de nada servirão as definições jurídicas, que podem ser aplicadas a todos os papéis assinados por uma nação ou por esta e o seu rei, proclamando-as Constituições, seja qual for o seu conteúdo, sem penetrarmos na sua essência.

O conceito da Constituição — como demonstrarei logo — é a fonte primitiva da qual nascem a arte e a sabedoria constitucionais.

Repito, pois, minha pergunta: Que é uma Constituição? Onde encontrar a verdadeira essência, o verdadeiro conceito de uma Constituição?

Como o ignoramos, pois é agora que vamos desvendá-lo, aplicaremos um método que é de utilidade pôr em prática sempre que quisermos esclarecer o conceito duma coisa. Este método é muito simples. Baseia-se em compararmos a coisa cujo conceito não sabemos com outra semelhante a ela, esforçando-nos para penetrar clara e nitidamente nas diferenças que afastam uma da outra.

Lei e Constituição.

LEI e CONSTITUIÇÃO

Aplicando esse método, pergunto: Qual a diferença entre uma Constituição e uma Lei? Ambas, a lei e a Constituição, têm, evidentemente, uma essência genérica comum. Uma Constituição, para reger, necessita a aprovação legislativa, isto é, tem que ser também lei.

Todavia não é uma lei como as outras, uma simples lei: é mais do que isso. Entre os dois conceitos não existe somente afinidade; há também desas­se­me­lhan­ça. Esta, que faz que a Constituição seja mais do que simples lei, poderia demonstrá-lo com centenas de exemplos.

O país, por exemplo, não protesta pelo fato de constantemente serem aprovadas novas leis; pelo contrário, todos nós sabemos que se torna necessário que todos os anos seja criado maior ou menor número de leis. Não pode, porém, decretar-se uma única lei que seja, nova, sem alterar a situação legislativa vigente no momento da sua aprovação, pois se a nova lei não motivasse modificações no aparelhamento legal vigente, seria absolutamente supérflua e não teria motivos para ser a mesma aprovada.

Por isso, não protestamos quando as leis são modificadas, pois notamos, e estamos cientes disso, que é esta a missão normal e natural dos governos... Mas, quando mexem na Constituição, protestamos e gritamos:


Deixai a Constituição! Qual é a origem dessa diferença? Esta diferença é tão inegável, que existem, até, Constituições que dispõem taxativamente que a Constituição não poderá ser alterada de modo algum; noutras, consta que para reformá-la não é o bastante que uma simples maioria assim o deseje, mas que será necessário obter dois terços dos votos do Parlamento; existem ainda algumas onde se declara que não é da competência dos Corpos Legislativos sua modificação, nem mesmo unidos ao Poder Executivo, senão que para reformá-la deverá ser nomeada uma nova Assembléia Legislativa, ad hoc criada expressa e exclusivamente para esse fim para que a mesma se manifeste acerca da oportunidade ou conveniência de ser a Constituição modificada.

Todos esses fatos demonstram que, no espírito unânime dos povos, uma Constituição deve ser qualquer coisa de mais sagrado, de mais firme e de mais imóvel que uma lei comum.

Faço outra vez a pergunta anterior: qual a diferença entre uma Constituição e uma simples lei?

A esta pergunta responderão: Constituição não é uma lei como as outras, é uma lei fundamental da nação. É possível, meus senhores, que nesta resposta se encontre, embora de um modo obscuro, a verdade que estamos investigando.

Mas, a mesma, assim formulada, de forma bastante confusa, não pode deixar-nos satisfeitos. Imediatamente surge, substituindo a outra, esta interrogação: Como distinguir uma lei da lei fundamental?

Como podeis ver, continuamos onde começamos. Somente ganhamos um vocábulo novo, ou melhor, um termo novo, “lei fundamental”, que de nada nos servirá enquanto não soubermos explicar qual é, repito, a diferença entre lei fundamental e outra lei qualquer. Intentemos, pois, aprofundar um pouco mais no assunto, indagando que idéias ou que noções são as que vão associadas a esse nome de “lei fundamental”; ou, noutros termos, como poderíamos distinguir uma “lei fundamental” de outra lei qualquer para que a primeira possa justificar o nome que lhe foi assinalado.

Para isso será necessário:

1° — Que a lei fundamental seja uma lei básica, mais do que as outras comuns, como indica seu próprio nome “fundamental”.

2° — Que constitua — pois de outra forma não poderíamos chamá-la de fundamental — o verdadeiro fundamento das outras leis; isto é, a lei fundamental, se realmente pretende ser merecedora desse nome, deverá informar e engendrar as outras leis comuns originárias da mesma. A lei fundamental, para sê-lo, deverá, pois, atuar e irradiar através das leis comuns do país.

3° — Mas, as coisas que têm um fundamento não o são assim por um capricho; existem porque necessariamente devem existir. O fundamento a que respondem não permite serem de outro modo. Somente as coisas que carecem de fundamento, que são as casuais e as fortuitas, podem ser como são ou mesmo de qualquer outra forma; as que possuem um fundamento não, pois aqui rege a lei da necessidade.

Os planetas, por exemplo, movem-se de um modo determinado. Este movimento responde a causas, a fundamentos exatos, ou não?

Se não existissem tais fundamentos, sua trajetória seria casual e poderia variar a todo momento, quer dizer seria variável. Mas, se de fato responde a um fundamento, se é o resultado como pretendem os cientistas da força de atração do sol, é o bastante isto para que o movimento dos planetas seja regido e governado de tal modo por esse fundamento que não possa ser de outro modo, a não ser tal como de fato é.

A idéia de fundamento traz, implicitamente, a noção de uma necessidade ativa, de uma força eficaz que torna por lei da necessidade que o que sobre ela se baseia seja assim e não de outro modo.

Sendo a Constituição a lei fundamental de uma nação, será — e agora já começamos a sair das trevas — qualquer coisa que logo poderemos definir e esclarecer, ou, como já vimos, uma força ativa que faz, por uma exigência da necessidade, que todas as outras leis e instituições jurídicas vigentes no país sejam o que realmente são, de tal forma que, a partir desse instante, não podem decretar, naquele país, embora quisessem, outras quaisquer.

Muito bem, pergunto eu, será que existe nalgum país — e fazendo esta pergunta os horizontes clareiam — alguma força ativa que possa influir de tal forma em todas as leis do mesmo, que a obrigue a ser necessariamente, até certo ponto, o que são e como são, sem poderem ser de outro modo?

Os Fatores Reais do Poder.

OS FATORES REAIS do PODER

Sim, existem sem dúvida, e esta incógnita que estamos investigando apóia-se, sim­ples­men­te, nos fatores reais do poder que regem uma determinada sociedade.

Os fatores reais do poder que regulam no seio de cada sociedade são essa força ativa e eficaz que informa todas as leis e instituições jurídicas da sociedade em apreço, determinando que não possam ser, em substância, a não ser tal como elas são.

Vou esclarecer isto com um exemplo. Naturalmente, este exemplo, como vou expô-lo, não pode realmente acontecer. Porém, embora este exemplo possa dar-se de outra forma, não interessa sabermos se o fato pode ou não acontecer, mas sim o que o exemplo nos possa ensinar se este chegasse a ser realidade.

Não ignoram os meus ouvintes que na Prússia somente têm força de lei os textos publicados na Coleção legislativa. Esta Coleção imprime-se numa tipografia concessionária instalada em Berlim. Os originais das leis guardam-se nos arquivos do Estado, e em outros arquivos, bibliotecas e depósitos, guardam-se as coleções legislativas impressas.


Vamos supor, por um momento, que um grande incêndio irrompeu e que nele queimaram-se todos os arquivos do Estado, todas as bibliotecas públicas, que o sinistro destruisse também a tipografia concessionária onde se imprimia a Coleção legislativa e que ainda, por uma triste coincidência — estamos no terreno das suposições — igual desastre se desse em todas as cidades do país, desaparecendo inclusive todas as bibliotecas particulares onde existissem coleções, de tal maneira que em toda a Prússia não fosse possível achar um único exemplar das leis do país.

Suponhamos isto.

Suponhamos mais que o país, por causa deste sinistro, ficasse sem nenhuma das leis que o governavam e que por força das circunstâncias fosse necessário decretar novas leis. Julgai que neste caso o legislador, completamente livre, poderia fazer leis a capricho de acordo com o seu modo de pensar?

A Monarquia.

A MONARQUIA

Suponhamos que os senhores respondam: Visto que as leis desapareceram e que vamos redigir outras completamente novas, desde os alicerces até o telhado, nelas não reconheceremos à monarquia as prerrogativas que até agora gozou ao amparo das leis destruídas; mais ainda, não respeitaremos prerrogativas nem atribuições de espécie alguma; enfim: não queremos a monarquia.

O monarca responderia assim: Podem estar destruídas as leis, porém, a realidade é que o Exército subsiste e me obedece, acatando minhas ordens; a realidade é que os comandantes dos arsenais e quartéis põem na rua os canhões e as baionetas quando eu o ordenar, e, apoiado neste poder real, efetivo, das baionetas e dos canhões, não tolero que venham me impor posições e prerrogativas em desacordo comigo.

Como podeis ver, um rei a quem obedecem o Exército e os canhões... é uma parte da Constituição.

A Aristrocracia.

A ARISTOCRACIA

Suponhamos agora que os senhores dissessem: Somos tantos milhões de prussianos, entre os quais somente existe um punhado cada vez menor de grandes proprietários de terras pertencentes à nobreza.

Não sabemos porque esse punhado, cada vez menor, de grandes proprietários agrícolas, hão de possuir tanta influência nos destinos do país como os restantes milhões de habitantes reunidos, formando somente eles uma Câmara alta que fiscaliza os acordos da Câmara dos Deputados, eleita esta pelos votos de todos os cidadãos, recusando sistematicamente todos os acordos que julgarem prejudiciais aos seus interesses. Imaginemos que os meus ouvintes dissessem: Destruídas as leis do passado, somos todos “iguais” e não precisamos absolutamente “para nada” da Câmara senhorial.

Reconheço que não seria fácil à nobreza atirar contra o povo que assim pensasse seus exércitos de camponeses. Possivelmente teriam mais que fazer para livrar-se deles.

Mas, a gravidade do caso é que os grandes fazendeiros da nobreza tiveram sempre grande influência na Corte e esta influência garante-lhes a saída do Exército e dos canhões para seus fins, como se este aparelhamento da força estivesse “diretamente” ao seu dispor.

Vejam, pois, como uma nobreza influente e bem vista pelo rei e sua corte, é também uma parte da Constituição.

A Grande Burguêsia.

A GRANDE BURGUESIA

Ocorre-me agora assentar o suposto ao inverso, isto é, a suposição de que o rei e a nobreza aliados entre si para restabelecer a organização medieval, mas não ao pequeno proprietário, pretendessem impor o sistema que regeu na Idade Média; quer dizer, aplicada a toda a organização social, sem excluir a grande indústria, as fábricas e a produção mecanizada.

É sabido que o “grande” capital não poderia, de forma alguma, progredir e mesmo viver sob o sistema medieval, impedindo-se seu desenvolvimento sob aquele regime.

Entre outros motivos, porque neste regime se levantaria uma série de barreiras legais entre os diversos ramos de produção, por muita afinidade que os mesmos tivessem e nenhum industrial poderia reunir duas ou mais indústrias em suas mãos.

Neste caso, por exemplo, entre as corporações dos fabricantes de pregos e os ferreiros existiriam constantes processos para deslindar as suas respectivas jurisdições; a estamparia não poderia empregar em sua fábrica somente a um tintureiro, etc. Ademais, sob o sistema gremial daquele tempo, estabelecer-se-ia por lei a quantidade estrita de produção de cada industrial e cada indústria somente poderia ocupar um determinado número de operários por igual.

Isto basta para compreender que a grande produção, a indústria mecanizada, não poderia progredir com uma Constituição do tipo gremial. A grande indústria exige, sobretudo — e necessita como o ar que respiramos — ampla liberdade da fusão dos mais diferentes ramos do trabalho nas mãos dum mesmo capitalista, necessitando ao mesmo tempo da produção em “massa” e a livre concorrência, isto é, a possibilidade de empregar quantos operários necessitar, sem restrições.

Que viria a acontecer se nestas condições e a despeito de tudo, obstinadamente implantassem hoje a Constituição gremial?

Aconteceria que os senhores Borsig, Egels, etc.
(1), os grandes industriais de tecidos, os fabricantes de sedas, etc. fechariam as suas fábricas despedindo os seus operários, e até as companhias de estradas de ferro seriam obrigadas a agir da mesma forma.

O comércio e a indústria ficariam paralisados, grande número de pequenos industriais seria obrigado a fechar suas oficinas e esta multidão de homens sem trabalho sairia à praça pública pedindo, exigindo pão e trabalho. Atrás dela, a grande burguesia, animando-a com a sua influência, instigando-a com o seu prestígio, sustentando-a e alentado-a com o seu dinheiro, viria fatalmente à luta, na qual o triunfo não seria certamente das armas.


Demonstrara-se, assim, que os Borsig, Egels, os grandes industriais, enfim, são todos, também, um fragmento da Constituição.

Os Banqueiros.

OS BANQUEIROS

Suponhamos, por um momento, que o Governo pretendesse implantar uma dessas medidas excepcionais, abertamente lesivas aos interesses dos grandes banqueiros, que esse mesmo Governo entendesse, por exemplo, que o Banco da Nação não foi criado para a função que hoje cumpre, que é a de baratear mais ainda o crédito aos grandes banqueiros e aos capitalistas que possuem por razão natural todo o crédito e todo o dinheiro do país e que são os únicos que podem descontar as suas firmas, quer dizer, que obtêm numerário naquele estabelecimento bancário para tornar acessível o crédito à gente humilde e à classe média.

Suponhamos isto e também que ao Banco da Nação pretendessem dar-lhe a organização adequada para obter esse resultado.

Poderia isto prevalecer?

Não vou dizer que disto desencadeasse uma revolta, mas o Governo atual não poderia impor presentemente uma medida semelhante.

Demonstrarei porque.

De vez em quando o Governo sente apertos financeiros devido à necessidade de inverter grandes quantias de dinheiro que não tem coragem de tirar do povo por meio de novos impostos ou aumento dos existentes.

Nesses casos, fica o recurso de devorar o dinheiro do futuro, ou, o que é a mesma coisa, contrair empréstimos, entregando em troca do dinheiro que recebe adiantadamente, papel da Dívida Pública.

Para isto, necessita dos banqueiros.

É certo que, mais dia menos dia, a maior parte daqueles títulos da Dívida volta às mãos da gente rica e dos pequenos capitalistas do país; mas, isto requer tempo, às vezes muito tempo, e o Governo necessita do dinheiro logo e de uma vez, ou em prazos breves.

Para conseguir o dinheiro, serve-se dos particulares, isto é, de intermediários que lhe adiantem as quantias de que precisa, correndo depois por sua conta a colocação, pouco a pouco, do papel da dívida, locupletando-se também com a alta da cotação que a esses títulos lhe dá a Bolsa artificialmente. Estes intermediários são os grandes banqueiros e, por esse motivo, a nenhum governo convém, hoje em dia, indispor-se com os mesmos.

Vemos, mais uma vez, que também os grandes banqueiros como Mendelssohn, Schickler, a Bolsa, são também partes da Constituição.

Suponhamos que o Governo intentasse promulgar uma lei penal semelhante à que prevaleceu durante algum tempo na China, punindo na pessoa dos pais os roubos cometidos pelos filhos. Essa lei não poderia reger, pois contra ela se levantaria o protesto, com toda a energia possível, da cultura coletiva e da consciência social do país.

Todos os funcionários, burocratas e conselheiros do Estado ergueriam as mãos para o céu, e até os sisudos senadores teriam que discordar de tamanho absurdo. É que, dentro de certos limites, também a consciência coletiva e a cultura geral da Nação são partículas, e não pequenas, da Constituição.

A Pequena Burguesia e a Classe Operária.

A PEQUENA BURGUESIA ea CLASSE OPERARIA

Imaginemo-nos agora que o Governo, querendo proteger e satisfazer os privilégios da nobreza, dos banqueiros, dos grandes industriais e dos grandes capitalistas, tentasse privar das suas liberdades políticas a pequena burguesia e a classe operária.

Poderia fazê-lo?

Infelizmente, sim; poderia, mesmo que fosse transitoriamente; os fatos nos demonstram que poderia.

Mas, e se o Governo pretendesse tirar à pequena burguesia e ao operariado, não somente as suas liberdades políticas, senão sua liberdade pessoal isto é, se pretendesse transformar pessoalmente ao trabalhador em escravo ou servo, tornando à situação em que se viveu durante os tempos da Idade Média? Subsistiria essa pretensão?

Não, embora estivessem aliados ao rei a nobreza e toda a grande burguesia.
Seria tempo perdido.

O povo protestaria, gritando: antes morrer do que sermos escravos! A multidão sairia à rua sem necessidade que os seus patrões fechassem as fábricas, a pequena burguesia juntar-se-ia solidariamente com o povo e a resistência desse bloco seria invencível, pois nos casos extremos e desesperados também o povo, nós todos, somos uma parte integrante da Constituição.

Os Fatores...

OS FATORES do PODER e as INSTITUIÇÕES JURIDICAS

A FOLHA DE PAPEL

Essa é, em síntese, em essência, a Constituição de um país: a soma dos fatores reais do poder que regem um país.

Mas, que relação existe com o que vulgarmente chamamos Constituição; com a Constituição jurídica? Não é difícil compreender a relação que ambos conceitos guardam entre si.

Juntam-se esses fatores reais do poder, escrevemo-los em uma folha de papel, dá-se-lhes expressão escrita e a partir desse momento, incorporados a um papel, não são simples fatores reais do poder, mas sim verdadeiro direito, nas instituições jurídicas e quem atentar contra eles atenta contra a lei, e por conseguinte é punido.

Não desconheceis também o processo que se segue para transformar esses escritos em fatores reais do poder, transformando-os desta maneira em fatores jurídicos.

Está claro que não aparece neles a declaração que o senhor Borsig, o industrial, a nobreza, o povo, são um fragmento da Constituição, ou que o banqueiro X é outro pedaço da mesma; não, isto se define de outra maneira mais limpa, mais diplomática.

O Sistema Eleitoral das Três Classes.

O SISTEMA ELEITORAL das TRÊS CLASSES

Por exemplo, se o que se quer dizer é que determinados industriais e grandes capitalistas terão tais e quais prerrogativas no Governo e que o povo — operários, agricultores e pequenos burgueses — também têm certos direitos, não se fará constar com essa clareza e sim de modo diferente.


O que se fará será, simplesmente decretar uma lei, como a célebre lei eleitoral das “três classes” que vigorou na Prússia desde o ano 1849,(2) na qual será dividida a nação em três grupos eleitorais, de acordo com os impostos por eles pagos e que naturalmente estarão de acordo também com as posses de cada eleitor.

Segundo a estatística oficial organizada naquele ano (1849) pelo Governo, existiam na Prússia 3.255.703 eleitores que ficavam assim divididos:
-
ELEITORES
Primeiro grupo
153.808


Segundo grupo
409.945

Terceiro grupo
2.691.950

Por essa estatística eleitoral vemos que na Prússia existiam 153.808 pessoas riquíssimas que possuíam tanto poder político como os 2.691.950 cidadãos modestos, operários e camponeses juntos, e que esses 153 808 indivíduos de máximos cabedais, somados aos 409.945 eleitores de posses médias que integravam a segunda classe, possuíam tanto poder político como o resto da nação; ainda mais, que os 153.808 grandes capitalistas e a metade somente dos 409.945 do segundo grupo dispunham de maior força política que a metade restante da segunda categoria somada aos 2.691.950 eleitores desprovidos de riqueza.

Observai como por esse meio cômodo se chega exatamente ao mesmo resultado que se na Constituição constasse: o opulento terá o mesmo poder político que 17 cidadãos comuns, ou melhor, nos destinos políticos do país o capitalista terá uma influência 17 vezes maior que um simples cidadão sem recursos.

Antes da promulgação da lei eleitoral das três classes, regia legalmente, até 1848, o sufrágio universal, que garantia a todo cidadão, fosse rico ou pobre, o mesmo direito político, as mesmas atribuições para intervir na administração do Estado.

Está assim demonstrada a afirmativa que fiz anteriormente de que era bastante fácil, legalmente, usurpar aos trabalhadores e à pequena burguesia as suas liberdades políticas, sem entretanto despojá-los de um modo imediato e radical dos bens pessoais constituídos pelo direito à integridade física e à propriedade.

Os governantes não tiveram muito trabalho para privar o povo dos direitos eleitorais e, até agora, não sei se foi feita qualquer campanha de protesto para recuperar esses direitos.

A Câmara Senhoral ou Senado.

A CÂMARA SENHORIAL ou SENADO

Se na Constituição quer o Governo fique estabelecido que um punhado de grandes proprietários da aristocracia reúna em suas mãos tanto poder como os ricos, a gente acomodada e os deserdados da fortuna, isto é, como os eleitores das três classes reunidas, como o resto da nação, o legislador cuidará também de fazê-lo, mas de maneira que não o diga tão às claras, tão grosseiramente, bastando para isso dizer na Constituição:


Os representantes da grande propriedade sobre o solo, que o forem por tradição, e mais alguns outros elementos secundários, formarão uma Câmara Senhorial, um Senado, com atribuições de aprovar ou não os acordos feitos pela Câmara dos deputados eleitos pela Nação, que não terão valor legal se os mesmos forem rejeitados pelo Senado.

Isto equivale a pôr nas mãos de um grupo de velhos proprietários uma prerrogativa política formidável que lhes permitirá contrabalançar a vontade nacional e de todas as classes que a compõem, por muito unânime que seja essa vontade.

O Rei e o Exército.

O REI eo EXERCITO

E se continuando por esse caminho aspiramos a que o rei por si só possua tanto poder político, e mais ainda que as três classes de eleitores reunidas, inclusive a nobreza, não será necessário mais do que isto.

Redige-se um artigo que reze assim;
(3) “O rei nomeará todos os cargos do Exército e da Marinha”, acrescentando mais um artigo:(4) “Ao Exército e à Marinha não será exigido o juramento de guardar a Constituição”.

E, se isto parecer ainda pouco, acrescentar-se-á a teoria, que não deixa de ter seu fundo de verdade, que o rei ocupa frente à do Exército uma posição mui diferente à que lhe corresponde comparativamente às outras instituições do Estado: a teoria de que o rei, como chefe supremo das forças militares do país, não é somente rei, é qualquer coisa mais, algo especial, misterioso e desconhecido, para cuja denominação inventaram o termo de chefe supremo das forças de mar e terra, razão porque nem a Câmara dos Deputados nem mesmo a Nação têm que preocupar-se com o Exército nem intervir nos seus assuntos e organização, limitando-se somente a votar as quantias necessárias para que subsista.

E não pode negar-se que esta teoria tem seu apoio no artigo 108 da Constituição prussiana. Se esta dispõe que o Exército não necessita prestar juramento de acatar a Constituição, como é o dever de todos os cidadãos da Nação e do próprio rei, isto equivale, em princípio, a reconhecer que o Exército fica à margem da Constituição e fora da sua jurisdição, que nada tem a ver com ela, que somente precisa prestar contas do que faz à pessoa do rei, sem manter relações com o resto do país.

Conseguido isto, reconhecida ao rei a atribuição de preencher todos os postos vagos do Exército e colocado este sob a sujeição pessoal do rei, este conseguiu por se reunir um poder muito superior ao que goza a Nação inteira, supremacia esta que não ficaria diminuída embora o poder efetivo da nação fosse dez, vinte ou cinqüenta vezes maior do que o do Exército.

A razão aparente deste contra-senso é simples.

Poder Organizado e Poder Inoegânico.

PODER ORGANIZADO e PODER INORGÂNICO

O instrumento do poder político do rei, o Exército, está organizado, pode reunir-se a qualquer hora do dia ou da noite, funciona com uma disciplina única e pode ser utilizado em qualquer momento que dele se necessite.

Entretanto, o poder que se apóia na Nação, meus senhores, embora seja, como de fato o é realmente, infinitamente maior, não está organizado; a vontade do povo, e sobretudo seu grau de acometimento, não é sempre fácil pulsá-la mesmo por aqueles que dele fazem parte. Perante a iminência do início de uma ação, nenhum deles é capaz de contar a soma dos que irão tentar defendê-la.

Ademais, a nação carece desses instrumentos do poder organizado, desses fundamentos tão importantes de uma Constituição como acima demonstramos, isto é, dos canhões. É verdade que os canhões adquirem-se com o dinheiro fornecido pelo povo; certo também que se constroem e se aperfeiçoam graças às ciências que se desenvolvem no seio da sociedade civil, à química, à técnica, etc.

Somente o fato de sua existência demonstra como é grande o poder da sociedade civil, até onde chegaram os progressos das ciências, das artes técnicas, dos métodos de fabricação e do trabalho humano... Mas, aqui calha a frase de Virgílio: Sie vos non vobis! Tu, povo, fabrica-os e paga-os, mas não para ti! Como os canhões são fabricados sempre para o poder organizado e somente para ele, a nação sabe que essas máquinas de destruição e de morte, testemunhas latentes de todo o seu poder, vomitarão a metralha sobre ela, infalivelmente, logo que se revoltar.

Estas razões explicam porque um poder menos forte, porém organizado, pode sustentar-se anos a fio, sufocando o poder, muito mais forte, porém desorganizado, do país, até que a população um dia, cansada de ver os assuntos nacionais tão mal administrados e pior regidos e que tudo é feito contra sua vontade e contra os interesses gerais da nação, se levanta contra o poder organizado, opondo-lhe sua formidável supremacia, embora desorganizada.

Tenho demonstrado a relação que guardam entre si as duas Constituições de um país: essa Constituição real e efetiva, integralizada pelos fatores reais e efetivos que regem a sociedade, e essa outra Constituição escrita, à qual, para distingui-la da primeira, vamos denominar de folha de papel
(5).

Capitulo II

ALGO DE HISTÓRIA CONSTITUCIONALISTA

Uma Constituição real e efetiva a possuem e hão de possuí-la sempre todos os países, pois é um erro julgarmos que a Constituição é uma prerrogativa dos tempos modernos.

Não é certo isso.

Da mesma forma, e pela mesma lei da necessidade que todo corpo tem uma constituição própria, boa ou má, estruturada de uma ou de outra forma, todo país tem, necessariamente, uma Constituição real e efetiva, pois não é possível imaginar uma nação onde não existam os fatores reais do poder, quaisquer que eles sejam.

Quando muito tempo antes de irromper a grande Revolução Francesa, sob a monarquia legítima e absoluta de Luiz XVI, o Poder imperante aboliu na França, por decreto de 3 de fevereiro de 1776, as prestações pessoais para a construção de vias públicas onde os agricultores eram obrigados a trabalhar gratuitamente na abertura e construção de rodovias e caminhos, determinando a criação, para atender às despesas de construção, de um imposto pago inclusive pela nobreza, o Parlamento francês protestou, opondo-se a essa medida: “Le peuple de France est taillable et corvéable á volonté, c’est une partie de la constitution que le roit ne peut changer”
(6).

Vejam como mesmo naquele tempo já falavam de uma Constituição e lhe reconheciam tal virtude, que nem o próprio rei podia mexer nela; tal como agora.

Aquilo que a nobreza francesa chamava de constituição, ou seja a norma pela qual o povo — os deserdados da fortuna — era obrigado a suportar o peso de todos os impostos e prestações que quisessem lhe impor, não estava, é certo, escrito em nenhum papel ou documento especial, documento este onde em resumo constassem os direitos do país e os do Governo; era pois a expressão simples e clara dos fatores reais do poder que vigoravam na França medieval. É que na Idade Média o povo era realmente tão impotente que podiam impor-lhe os maiores sacrifícios e tributos à vontade do legislador.

A realidade era esta: o povo estava sempre por baixo e devia continuar assim.

Estas tradições de fato assentavam-se nos chamados precedentes, que ainda hoje na Inglaterra, acompanhando o exemplo universal da Idade Média, têm uma importância formidável nas chamadas questões constitucionais.

Nesta prática efetiva e tradicional de cargas e impostos, invocava-se freqüentemente, como não podia deixar de ser, o fato de que o povo desde tempos remotos estava sujeito a essas cargas e, sobre esse precedente, continuava a norma de que podia continuar assim ininterruptamente.

A proclamação desta norma constituía a base do Direito constitucional.

Às vezes dava-se expressão especial sobre um pergaminho a uma dessas manifestações que tinha sua raiz nas realidades do poder. E assim surgiram os foros, as liberdades, os direitos especiais, os privilégios, os estatutos e as cartas outorgadas de uma casta, de um grêmio, de uma vila, etc..

Todos esses fatos e precedentes, todos esses princípios de Direito público, esses pergaminhos, esses foros, estatutos e privilégios reunidos formavam a Constituição do país, sem que todos eles, por sua vez, fizessem outra coisa que exprimir, de um modo simples e sincero, os fatores reais do poder que regia no país.

Assim, pois, todos os países possuem ou possuíram sempre, e em todos os momentos da sua história uma Constituição real e verdadeira. A diferença nos tempos modernos — e isto não deve ficar esquecido, pois tem muitíssima importância — não são as Constituições reais e efetivas, mas sim as Constituições escritas nas folhas de papel.

De fato, na maioria dos Estados modernos vemos aparecer, num determinado momento da sua história, uma Constituição escrita, cuja missão é a de estabelecer documentalmente, numa folha de papel, todas as instituições e princípios do governo vigente. Qual é o ponto de partida desta aspiração própria dos tempos modernos?

Também isto é uma questão importantíssima e não há outro remédio que estudá-la para sabermos a atitude que devemos adotar perante a obra constitucional, o juízo que devemos formar a respeito das Constituições que regem atualmente e a conduta que devemos seguir perante as mesmas, para chegarmos finalmente ao seu conhecimento e a possuir uma arte e uma sabedoria constitucionais.

Repito novamente: De onde provém essa aspiração, própria dos tempos modernos, de possuir uma Constituição escrita?

Vamos ver de onde pode provir:

Somente pode ter origem, evidentemente, no fato de que nos elementos reais do poder imperantes dentro do país se tenha operado uma transformação. Se não se tivesse operado transformações nesse conjunto de fatores da sociedade em questão, se esses fatores do poder continuassem sendo os mesmos, não teria cabimento que essa mesma sociedade desejasse uma Constituição para si.

Acolheria tranqüilamente a antiga, ou, quando muito, juntaria os elementos dispersos num único documento, numa única Carta constitucional.

Mas, perguntarão: como podem se dar essas transformações que afetam aos fatores reais do poder de uma sociedade?

Constituição Feudal

CONSTITUIÇÃO FEUDAL

Representemo-nos, por exemplo, um Estado pouco povoado da Idade Média, como acontecia naquele tempo, sob o domínio governamental de um príncipe e com uma nobreza que açambarcou a maior parte da propriedade territorial.

Como a população é escassa, somente uma parte muito pequena da mesma pode dedicar as suas atividades à indústria e ao comércio; a imensa maioria dos habitantes não têm outro recurso que cultivar a terra para obter da agricultura os produtos necessários para viver.

Não devemos esquecer que a maior parte das terras estão sob o domínio da aristocracia e que por este motivo os que as cultivam encontram emprego nesses serviços: uns como feudatários, outros como servos, outros, enfim, como colonos do senhor feudal; mas todos esses feudatários, verdadeiros vassalos, possuem um ponto de coincidência: são todos eles submetidos ao poder da nobreza que os obriga a formar suas hostes e a tomar as armas para fazerem a guerra aos seus visinhos, para resolver seus litígios ou suas ambições.

Ademais, com as sobras dos produtos agrícolas que tira de suas terras, o senhor aumenta as suas hostes, contratando e trazendo para seus castelos chefes de armas e soldados, escudeiros e criados.
]
Por sua vez, o príncipe não possui para afrontar esse poder da nobreza outra força efetiva, no fundo, que a própria dos que compõem a nobreza, que obedecem e atendem suas ordens guerreiras, pois a ajuda que lhe podem prestar as vilas, pouco povoadas e pouco numerosas, é insignificante.

Qual seria, pois, a Constituição de um Estado desses?

Não é difícil responder, pois a resposta provém necessariamente desse número de fatores reais do poder que acabamos de examinar.

A Constituição desse país não pode ser outra coisa que uma Constituição feudal, na qual a nobreza ocupa um lugar de destaque.

O príncipe não poderá criar sem seu consentimento novos impostos e somente ocupará entre eles a posição de primus inter pares; isto é, o primeiro posto entre seus iguais hierárquicos.
Esta era, meus senhores, a Constituição prussiana e a da maior parte dos Estados na Idade Média.

Absolutismo.

ABSOLUTISMO

Continuando, vamos supor o seguinte: A população cresce e multiplica-se constantemente, a indústria e o comércio progridem e seu progresso facilita os recursos necessários para fomentar um novo incremento, transformando as vilas em cidades.

Nasce ao mesmo tempo a pequena burguesia e os grêmios das cidades começam a desenvolver-se também, circulando o dinheiro e formando os capitais e a riqueza particular.

Que resultaria disso?

Que este incremento da população urbana que não depende da nobreza, que contrariamente tem interesses opostos a esta, contribuirá, no começo, beneficiando ao príncipe, reforçando as hostes armadas que o acompanham e aumentando os seus recursos obtidos com os subsídios dos burgueses e dos grêmios e que as contínuas lutas entre os nobres acarreta aos seus interesses grandes prejuízos, almejando, em benefício de seu comércio e de suas incipientes indústrias, a ordem e a tranqüilidade pública e ao mesmo tempo a organização de uma justiça ordeira dentro do país, auxiliando ao príncipe, para consegui-lo com homens e com dinheiro.

Por esses meios poderá o príncipe dispor de bons soldados e de um exército muito mais eficiente para opor aos nobres.

Nesse pé, em seu interesse, o príncipe irá diminuindo as prerrogativas e poderes da nobreza; assaltará e arrasará os castelos dos nobres que resistam a obedecê-lo ou que violem as leis do país, e quando finalmente, com o tempo, a indústria tiver desenvolvido bastante a riqueza pecuária e a população tiver crescido de forma que permita ao príncipe possuir um exército permanente, este príncipe enviará seus batalhões contra a nobreza como fez Frederico Guilherme I em 1740 sob o lema de: “Je stabilirai la souverainité comme un rocher de bronce”
(7); obrigará a nobreza ao pagamento de impostos e acabará com a prerrogativa de receber, esta, qualquer imposto.

Patenteia-se, mais uma vez, que com a transformação dos fatores reais do poder transforma-se também a Constituição vigente do país: sobre os escombros da sociedade feudal, surge a monarquia absoluta.

Mas, o príncipe não acredita na necessidade de pôr por escrito a nova Constituição; a monarquia é uma instituição demasiado prática para proceder assim.

O príncipe tem em suas mãos o instrumento real e efetivo do poder, tem o exército permanente, que forma a Constituição efetiva desta sociedade, e ele e os que o rodeiam, dão expressão a essa idéia, assinalando ao país a denominação de “Estado militar”.

A nobreza que reconhece que não mais pode competir com o príncipe, renuncia a possuir um exército para defendê-la. Esquece rapidamente seus antagonismos com o príncipe, abandona seus castelos para concentrar-se na residência real, recebendo em troca disso uma pensão e contribui, com sua presença, a prestigiar a monarquia.

A revolução Burguesa.

A REVOLUÇÃO BURGUESA

Entretanto, a indústria e o comércio desenvolvem-se progressivamente e ao mesmo tempo, acompanhando esse surto de prosperidade, cresce a população e melhora o gênero de vida da mesma.

Há de parecer que esse progresso seja proveitoso ao príncipe porque cresce também seu exército e o seu poder; mas, o desenvolvimento da sociedade burguesa chega a alcançar proporções imensas, tão gigantescas, que o príncipe não pode, nem auxiliado pelos seus exércitos, acompanhar na mesma proporção o aumento formidável do poder da burguesia, e assim vemos para corroborá-lo que em 1657 a cidade de Berlim tinha uma população de 20.000 habitantes e o exército prussiano era de 30.000 homens; em 1819 a população era de 192.646 habitantes e o exército da Prússia contava 137.639 homens; mas, em 1846 com uma população em Berlim de mais de 389.000 pessoas o exército era quase o mesmo, isto é, de 138.810 homens contra os 137.639 em 1819!

O exército não podia acompanhar o surto maravilhoso da população civil!
Ao desenvolver-se em proporções tão extraordinárias, a burguesia começa a compreender que também é uma potência política independente. Paralelamente, com este incremento da população aumenta e divide-se a riqueza social em proporções incalculáveis, progredindo ao mesmo tempo, vertiginosamente, as indústrias, as ciências, a cultura geral e a consciência coletiva; outro dos fragmentos da Constituição.

Então a população burguesa grita: não posso continuar a ser uma massa submetida e governada sem contarem com a minha vontade; quero governar também e que o príncipe reine limitando-se a seguir a minha vontade e regendo meus assuntos e interesses.

E este protesto da burguesia ficou gravado no relevante fato histórico da Prússia, no dia 18 de março de 1848.

E agora fica demonstrado que o exemplo do incêndio foi hipotético, é verdade, mas que os fatos anteriormente expostos fizeram o mesmo que se um incêndio ou um furacão tivessem varrido a velha legislação nacional.

Capitulo III

A ARTE EA SABEDORIA CONSTITUCIONAIS



Quando num país arrebenta e triunfa a revolução, o direito privado continua valendo, mas as leis do direito público se desmoronam e se torna preciso fazer outras novas.

A revolução de 48 demonstrou a necessidade de criar uma nova Constituição escrita e o próprio rei se encarregou de convocar em Berlim a Assembléia nacional para estudar as bases de uma nova Constituição.

Quando podemos dizer que uma Constituição escrita é boa e duradoura?

A resposta é clara é parte logicamente de quanto temos exposto: Quando essa Constituição escrita corresponder à Constituição real e tiver suas raízes nos fatores do poder que regem o país.

Onde a Constituição escrita não corresponder à real, irrompe inevitavelmente um conflito que é impossível evitar e no qual, mais dia menos dia, a Constituição escrita, a folha de papel, sucumbirá necessariamente, perante a Constituição real, a das verdadeiras forças vitais do país.

O Poder da Nação é Incrivel.

O PODER da NAÇÃO é INCRIVEL

Em 1848 ficou demonstrado que o poder da Nação é muito superior ao do Exército e por isso, depois de uma cruenta e longa luta, as tropas foram obrigadas a ceder.

Mas, não devemos esquecer que entre o poder da nação e o poder do Exército existe uma diferença muito grande e por isso se explica que o poder do Exército, embora em realidade inferior ao da nação, com o tempo seja mais eficaz que o poder do país, embora maior.

É que o poder desta é um poder desorganizado e o daquele é uma força organizada e disciplinada que se encontra a todo momento em condições de enfrentar qualquer ataque, vencendo sempre, a não ser nos casos isolados que o sentimento nacional se aglutina, e num esforço supremo vence ao poder organizado do exército. Mas isto somente acontece em momentos históricos de grande emoção.

Para evitar isso, depois da vitória de 1848, para que não fosse estéril o esforço da nação teria sido necessário que, aproveitando aquele triunfo, tivessem transformado o exército tão radicalmente, que não voltasse a ser o instrumento de força ao serviço do rei contra a nação.

Não se fez.

Mas isto se explica; porque geralmente os reis têm ao seu serviço melhores servidores do que o povo. Os daquele são práticos e os do povo quase sempre são retóricos; aqueles possuem o instinto de agir no momento oportuno, estes fazem discursos nas horas em que os outros dão as ordens para que os canhões sejam postos na rua contra o povo.

Conseqüências

CONSEQÜÊNCIAS

Para chegarmos ao verdadeiro conceito do que é uma Constituição temos agido com grande cautela, lentamente. É possível que alguns dos meus ouvintes, muito impacientes, tenham achado o caminho um pouco longo para chegar ao fim almejado.

De posse desse resultado, as coisas desenvolveram-se depressa e, como agora já podemos encarar o problema com mais clareza, poderemos estudar diversos fatos que têm a sua origem nos diferentes pontos de vista que temos estudado.

PRIMEIRA CONSEQÜÊNCIA.

Tivemos ocasião de ver que não foram adotadas as medidas que se impunham para substituir os fatores reais do poder dentro do país para transformar o Exército, de um Exército do rei num instrumento da nação.

Certo que foi feita uma proposta encaminhada para consegui-lo, que representava o primeiro passo para esse fim e que era a sugestão apresentada por Stein na qual constavam medidas que teriam obrigado a todos os oficiais reacionários a resignar seus postos solicitando a sua aposentadoria.

Aprovada essa proposta pela Assembléia Nacional de Berlim, toda a burguesia e a maior parte da população protestaram gritando: A Assembléia nacional deve preocupar-se da nova Constituição e não perder seu tempo atacando ao Governo e provocando interpelações sobre assuntos que competem ao poder executivo!

Ocupai-vos da Constituição e somente da Constituição! — gritavam todos.

Como podem ver os meus ouvintes, aquela burguesia e a metade da população do país não tinham a mais remota idéia do que real e efetivamente era uma Constituição.

Para eles fazer uma Constituição escrita era o de menos; não havia pressa; uma Constituição escrita pode ser feita num caso de urgência, em vinte e quatro horas; mas, fazendo-a desta maneira, nada se consegue, se for prematura.

Afastar os fatores reais e efetivos do poder dentro do país, intrometer-se no Poder executivo, imiscuir-se nele tanto e de tal forma, socavá-lo e transformá-lo de tal maneira que ficasse impossibilitado de aparecer como soberano perante a nação.

É isto o que quiseram evitar, era o que importava e urgia afim de que mais tarde a Constituição escrita não fosse mais alguma coisa do que um pedaço de papel.

E como não se fez ao seu devido tempo, à Assembléia nacional foi-lhe impossivel organizar tranqüilamente a sua Constituição por escrito; vendo então, embora tarde, que o Poder executivo ao qual tanto respeitara, em vez de pagar com a mesma moeda, deu-lhe um empurrão, valendo-se daquelas mesmas forças que, com delicadeza, a Assembléia conservara.

SEGUNDA CONSEQÜÊNCIA.

Suponhamos que a Assembléia nacional não tivesse sido dissolvida, e que esta tivesse chegado ao seu fim sem contratempos; isto é, conseguir o estudo e votação de uma Constituição para o país.

Se isto tivesse acontecido, que modificações teria havido na marcha das coisas?

Possivelmente, nenhuma; mais categórico: absolutamente nada e a prova está nos fatos. É certo que a Assembléia nacional foi dissolvida, mas o próprio rei, recolhendo a papelada póstuma da Assembléia nacional, proclamou em 5 de dezembro de 1848 uma Constituição que na maior parte de seus pontos correspondia exatamente àquela Constituição que da própria Assembléia Constituinte podíamos esperar.

Esta Constituição foi o próprio rei quem a proclamou; não foi obrigado a aceitá-la; não lhe foi imposta; decretou-a ele voluntariamente, desde o seu monumento de vencedor.

À primeira vista parece que esta Constituição, por ter nascido assim, teria de ser mais viável e vigorosa.

Mas, infelizmente não foi assim.

Podem os meus ouvintes plantar no seu quintal uma macieira e segurar no seu tronco um papel que diga: “Esta árvore é uma figueira”. Bastará esse papel para transformar em figueira o que é macieira? Não, naturalmente. E embora conseguissem que seus criados, vizinhos e conhecidos, por uma razão de solidariedade, confirmassem a inscrição existente na árvore de que o pé plantado era uma figueira, a planta continuaria sendo o que realmente era e, quando desse frutos, destruiriam estes a fábula produzindo maçãs e não figos.

Igual acontece com as Constituições.

De nada servirá o que se escrever numa folha de papel, se não se justifica pelos fatos reais e efetivos do poder.

Com aquela folha de papel datada a 5 de dezembro de 1848, o rei, espontaneamente, concordava com uma porção de concessões, mas todas elas iam de encontro à Constituição real; isto é, contra os fatores reais do poder que o rei continuava a dispor, integralmente, em suas mãos.

E aconteceu o que forçosamente devia acontecer.

Com a mesma imperiosa necessidade que regula as leis físicas da gravidade, a Constituição real abriu caminho, passo a passo, até impor-se à Constituição escrita.

Assim, embora aprovada pela Assembléia encarregada de revê-la, a Constituição de 5 de dezembro de 1848, foi modificada pelo rei, sem que ninguém o impedisse, com a célebre lei eleitoral de 1849 que estabeleceu os três grupos de eleitores já expostos anteriormente.

A Câmara criada à raiz dessa lei eleitoral foi o instrumento por meio do qual podiam ser feitas na Constituição as reformas mais urgentes, a fim de que o rei pudesse jurá-la em 1850 e, uma vez feito o juramento, continuar a deturpá-la, a transformá-la sem pudor.

Desde essa data não passou um único ano sem que a mesma fosse modificada.

Não existe bandeira, por muito velha e venerável que seja, por centenas de batalhas que tenha assistido, que possa apresentar tantos buracos e frangalhos como a famosa carta constitucional prussiana.

TERCEIRA CONSEQÜÊNCIA.

Quando os meus ouvintes saibam que um partido político tem por lema o grito angustioso “de cerrar fileiras em torno da Constituição!”, que devemos pensar?

Fazendo essa pergunta, não faço um apelo aos vossos desejos, não me dirijo à vossa vontade.

Pergunto, simplesmente, como a homens conscientes: Que devemos pensar de um fato desses?

Estou certo de que sem serdes profetas respondereis prontamente: essa Constituição está nas últimas; podemos considerá-la morta, sem existência; mais uns anos e terá deixado de existir.

Os motivos são muito simples.

Quando uma Constituição escrita responde aos fatores reais do poder que regem um país, não podemos ouvir esse grito de angústia. Ninguém seria capaz de fazê-lo, ninguém poderia se aproximar à Constituição sem respeitá-la; com uma Constituição destas ninguém brinca se não quer passar mal.

Onde a Constituição reflete os fatores reais e efetivos do poder, não pode existir um partido político que tenha por lema o respeito à Constituição, porque ela já é respeitada, é invulnerável.

Mau sinal quando esse grito repercute no país, pois isto demonstra que na Constituição escrita há qualquer coisa que não reflete a Constituição real, os fatores reais do poder.

E se isto acontecer, se esse divórcio existir a Constituição escrita está liquidada; não existe Deus nem força capaz de salvá-la.

Essa Constituição poderá ser reformada radicalmente, virando-a da direita para a esquerda, porém mantida integralmente, nunca.

Somente o fato de existir o grito de alarme que incite a conservá-la é uma prova evidente da sua caducidade para aqueles que saibam ver com clareza.

Poderão encaminhá-la para a direita, se o Governo julgar necessária essa transformação para opô-la à Constituição escrita, adaptando-a aos fatores reais do poder, isto é, ao poder organizado da sociedade.

Outras vezes é o poder inorgânico desta que se levanta para demonstrar que é superior ao poder organizado. Neste caso, a Constituição se transforma virando para a esquerda, como anteriormente o tinha feito para a direita; mas, num como noutro caso, a Constituição perece, está irremediavelmente perdida, não pode salvar-se.

Conclusões Práticas

CONCLUSÕES PRATICAS

Se os que me ouviram não se limitaram a seguir e meditar cuidadosamente as minhas palavras, senão que, levando adiante as idéias que as animam, encontrar-se-ão de posse de todas as normas da arte e da sabedoria constitucionais.

Os problemas constitucionais não são problemas de direito, mas do poder, a verdadeira Constituição de um país somente tem por base os fatores reais e efetivos do poder que naquele país regem, e as Constituições escritas não têm valor nem são duráveis a não ser que exprimam fielmente os fatores do poder que imperam na realidade social: eis aí os critérios fundamentais que devemos sempre lembrar.

Nesta conferência quis demonstrar de um modo especial o valor que representa o Exército como fator decisivo e importantíssimo do poder organizado; mas também existem outros valores como sejam as organizações dos funcionários públicos, etc., que podem ser considerados também como forças orgânicas do poder de uma sociedade.

Se alguma vez os meus ouvintes ou leitores tiverem que dar seu voto para oferecer ao país uma Constituição, estou certo que saberão como devem ser feitas estas coisas e que não limitarão a sua intervenção redigindo e assinando uma folha de papel, deixando incólumes as forças reais que mandam no país.

E não esqueçam, meus amigos, os governos têm servidores práticos, não retóricos, grandes servidores como eu os desejaria para o povo.

FIM.

Notas
(1) — Grandes industriais da Prússia.
(2) — Vigorou até a revolução de 1918.
(3) Artigo 47 da Constituição Prussiana de 1848
(4) — Artigo 198 da mesma.
(5) — Alusão à célebre frase de Frederico Guilherme IV que disse: “Julgo-me obrigado a fazer agora, solenemente, a declaração de que nem no presente nem para o futuro permitirei que entre Deus do céu e o meu país se interponha uma folha de papel escrita como se fosse uma segunda Providência”...
(6) — O povo da França — isto é, os deserdados — pode estar sujeito a impostos e prestações sem limite, e é esta uma parte da Constituição que nem o rei pode modificar.
(7) — Afirmarei a soberania como um rochedo de bronze.

fonte:http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/constituicaol.html

sábado, 28 de junho de 2008

Reino da Espanha x Republica Federativa do Brasil



Há algum tempo, estamos presenciando fatos que nos envergonham como cidadãos brasileiros. O que estamos vendo nos últimos meses e dias nos deixam envergonhados da classe política.


Às vezes, o que sentimos é uma mistura de vergonha com nojo. Cabe lembrar que não podemos generalizar, mas, a grandessíssima parcela dos políticos que o Brasil possui não merece o respeito e a confiança do povo.Muitas das ocasiões, o político é um antes do poder e outro durante o poder.


Presenciamos nos noticiários vereadores, prefeitos e seus bajuladores envolvidos em inúmeras irregularidades como, por exemplo, prostituição infantil, troca de favores e cargos, apropriação indébita, enriquecimento ilícito, notas frias, licitações irregulares, obras superfaturadas entre outros delitos que parece fazerem parte da vida desses indivíduos e até ser comum.


Um amigo sempre me afirmava que ser político no Brasil é a única profissão para aqueles que não têm nenhuma vocação, basta enganar o povo e ser eleito, mas, eu discordava, pois acreditava que, para ser um bom político, há algumas “qualidades” que estão intrínsecas no cidadão como, por exemplo, amor ao próximo, honestidade, ser bem intencionado e principalmente, ter vergonha na cara.


No entanto vejo que isso não é a regra, mas sim a exceção. Já os políticos de “maior calibre” como deputados e outros não ficam longe dos atos ilícitos basta lembrarmos do recente Mensalão, da CPI dos Bingos, dos Sanguessugas e dos inúmeros políticos desonestos que já passaram por este país e ainda deverão passar. O Brasil é um belo país, mas o que vem estragando esta nação é a politicagem que o tira dos trilhos.


Há políticos que estão perdidos, não sabendo que eles deveriam cumprir uma importante função social. Diante disso, lembro-me dos dizeres do filósofo Lucius Aneu Sêneca: “Não existem bons ventos para quem não sabe para onde quer ir”. Além desses fatos vergonhosos, as ocorrências de violência dos últimos dias vêm para nos alertar e refletir, já que, o Brasil vem passando por uma crise institucional e política, onde o Estado só é eficaz e eficiente para cobrar impostos, pois, ano após ano, batem os recordes de arrecadação.


A sociedade está à deriva, está desprotegida e, o pior, está sem esperanças nos políticos aqui existentes. A sociedade brasileira deveria seguir o exemplo da Espanha, que sempre foi um país de uma economia com forte base no setor agrícola, mas sempre marcada por várias lutas internas.


Sofreu uma guerra civil, na década de trinta do século passado, que fragmentou a sociedade espanhola por quase meio século. Depois da guerra civil, viveu a Ditadura Franquista. O ditador Franco manteve a Espanha fora da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), restaurou, em 1947, a monarquia, que entrou em vigor somente após a sua morte. Durante o regime franquista a Espanha, permaneceu isolada da Europa.


Em 1967, Franco proclamou a Lei Orgânica que o confirmou como chefe de Estado e deu certa autonomia ao legislativo e esse regime só terminou com a sua morte em 1975.Isso fez com que os espanhóis sofressem um atraso no campo das políticas sociais e desenvolvimento econômico e só voltaram a crescer, de forma significativa após a redemocratização que esboçou uma modernização da legislação.


A redemocratização só ocorreu a partir da morte de Franco e Juan Carlos foi coroado rei, como Juan Carlos I que iniciou uma pequena reforma política. No mandato do primeiro-ministro Adolfo Suárez, foram legalizados todos os partidos políticos ali existentes, até mesmo o Partido Comunista. Em junho de 1977, foram realizadas as primeiras eleições livres, que não ocorriam desde 1936, que deu a vitória a Adolfo Suárez da União Centro-Democrática (UCD).


Entretanto, o principal fato a ser relatado neste artigo sobre a história da Espanha ocorreu em 1978, quando os partidos políticos selaram um acordo para tirar o país da crise econômica que foi chamado de Pacto de Moncloa. Esse pacto social teve como pontos básicos a reforma no seguro social que consistia em, principalmente, suprir os numerosos organismos gestores.


Criou, como unidades gestoras, os atuais institutos nacionais do seguro social, da Saúde e dos Serviços Sociais. Em troca, esta reforma enfrentou, pela primeira vez, uma política integral de emprego e de formação profissional, através de um organismo autônomo, o Instituto Nacional do Emprego.


O resultado disso tudo foi colhido a médio e longo prazos, visto que, hoje, a Espanha é o segundo país da Europa em número de turistas. Ela só recebe menos turistas do que a Itália. Os principais produtos produzidos na Espanha são: Agricultura – trigo, beterraba, vegetais, frutas cítricas, uva e azeitona. Pecuária – bovinos, suínos, ovinos e aves. Minérios – carvão e cobre.


As principais indústrias da Espanha são: automobilística, naval, química, siderúrgica (aço), têxtil e calçados.


Os principais partidos políticos são o Partido Popular (PP), o Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) e a Esquerda Unida (IU). A constituição que está vigorando na Espanha é do ano de 1978.


Agora, voltando ao nosso amado Brasil, vemos que grande parte dos políticos só pensa em projetos em curto prazo. Não se vê uma reflexão e discussão mais profunda como houve na Espanha, mas, sim, projetos políticos, partidários e pessoais.


O povo só é lembrado no momento do ato de votar. Pacotes eleitorais e populistas tomam conta do Brasil há décadas. Há políticos que fazem ações que os tornam ridicularizados e desacreditados diante da opinião pública. Chegamos ao cúmulo de ver político fazendo “greve de fome” em defesa de seu projeto pessoal.


Vou lembrar as palavras de Arnaldo Jabor, no Jornal da Globo do dia 19 de maio, a respeito do crime organizado: “[...] o Marcola e o PCC nos ensinam que estamos abandonados pelo poder público [...]. Estamos vivendo uma crise institucional. As soluções tradicionais não bastam. As ‘providências’, as ‘comissões’, nada resolve. Talvez, adiante, a humildade do Lula e seus petistas, dos tucanos e seus aliados, todos os políticos, reconhecendo que não sabem o que fazer. Só um mutirão acima de partidos e uma pressão contínua da sociedade podem, talvez, ajudar. É um momento precioso. Não deixemos escapar esta oportuna verdade terrível: o Brasil precisa de uma revolução institucional. Não há solução ainda, porque a verdade é que não conhecemos o problema”.