"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Amazônia - Legal


"Nada é mais caro do que a independência nacional", diz ministro ao comentar Plano de Defesa


Alex Rodrigues
Repórter da Agência Brasil


Brasília - O ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos, Mangabeira Unger, concede entrevista à Agência Brasil


Brasília -Na primeira parte da longa entrevista que concedeu à Agência Brasil, o ministro de Assuntos Estratégicos, Mangabeira Unger, destaca que o Plano Estratégico de Defesa, apresentado ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva no último dia 9, vai exigir sacrifícios à Nação, a quem caberá sustentar ao longo de vários governos as opções assumidas durante o debate público que deve ocorrer assim que o plano for divulgado.


Sem mencionar valores, Mangabeira afirma que “nada é mais caro que a independência nacional” e relega a segundo plano os investimentos no reaparelhamento das Forças Armadas. “A estratégia nacional de Defesa não é uma peça orçamentária”.Leia a seguir a íntegra da entrevista.







Agência Brasil: Como tem sido a relação dos militares com o senhor, um ministro civil escolhido pelo presidente para coordenar os trabalhos de elaboração do Plano Estratégico de Defesa Nacional?


Mangabeira Unger: Excelente. O trabalho intensivo na construção da estratégia nacional de Defesa me proporcionou muitas e muitas horas de trabalho junto ao ministro Nelson Jobim [da Defesa] e aos militares e construímos uma relação de colaboração cada vez mais aberta.


Eu diria que minha melhor relação institucional é com as Forças Armadas, que assim como os cientistas e as igrejas, em especial a Católica, se identificam com uma perspectiva nacional. E também porque [os três grupos] estão de fora do mundo do dinheiro.


ABr: Como os militares reagiram ao fato de civis conduzirem o debate sobre as estratégias de Defesa e as possíveis mudanças nas Forças Armadas?


Mangabeira: A meu ver, o fato de que todo o processo de discussão do Plano tenha sido conduzido por civis é um de seus aspectos mais importantes. Em todo o mundo, quando um governo propõe a reconstrução de suas Forças, a tendência é que essas se fechem em si mesmas.


Quando foi instituído o comitê interministerial responsável por elaborar a estratégia nacional de Defesa, eu disse a alguns oficiais que seria muito importante que eles se abrissem ao diálogo e resistissem à tentação de adotar uma atitude defensiva para, assim, construirmos juntos essa proposta. Pouco a pouco, foi isso que ocorreu. Foi uma experiência sensacional que não tem precedentes na história de nosso país, que nunca se empenhou numa tentativa tão abrangente de repensar toda a sua Defesa.


ABr: O distanciamento, ou, digamos, desconfiança, de parte da sociedade em relação aos temas militares acabou por proporcionar o sucateamento das Forças Armadas?


Mangabeira: Sim, a divergência ajuda a explicar, em parte, a marginalização da causa da Defesa, mas não é toda a explicação. Durante um longo período, as reformas militares ocorreram da seguinte forma: os militares pediam ao governo equipamentos caros como aviões ou submarino e o governo concedia um pouco para os satisfazer.


Isso não é reforma séria, não é Defesa. Pelo contrário. O cerne desse debate não diz respeito a equipamentos ou orçamentos, embora tenha, claro, implicações sobre esses. O reaparelhamento das Forças será uma conseqüência de nossas grandes opções estratégicas. O essencial é, por um lado, nos perguntarmos qual é o alcance de nossas ambições e, de outro, qual é o nível de nossa disposição para o sacrifício.


ABr: O senhor já afirmou que o Plano Estratégico de Defesa, quando for divulgado, será acusado de ser um desperdício de dinheiro e um instrumento de corrida armamentista. O senhor se referia aos investimentos necessários para implementar o plano?


Mangabeira: Estou prevendo que quando o plano for divulgado será atacado por alguns formadores de opinião, mas penso que essas críticas serão úteis porque criarão a oportunidade para um grande debate que o país nunca travou.


E eu acredito que nós vamos ganhar esse debate, pois há uma grande empatia com a causa da Defesa, que é inseparável da causa da independência nacional. Essa empatia, no entanto, ainda é limitada pela desinformação e o que precisamos é de esclarecimentos.


ABr: Já é possível falar em quanto de recursos será necessário para implementar o Plano?


Mangabeira: A estratégia nacional de Defesa não é uma peça orçamentária. Logicamente, ela terá todo um mundo de desdobramentos e implicações e alguns desses serão orçamentários.


ABr: Mas o plano terá que contemplar as demandas de reaparelhamento das Forças, não?


Mangabeira: A estratégia nacional de Defesa não é uma resposta conjuntural a problemas pontuais nem uma espécie de triagem de pedidos e solicitações feitas pelas Forças Armadas. Essa é a velha tradição que estamos querendo sepultar.


O conteúdo do plano se caracteriza por três grandes aspectos. Primeiramente, a configuração, a orientação e também o reequipamento das Forças Armadas para dotá-las de maior mobilidade, flexibilidade e poder de monitoramento. O segundo aspecto é a reconstrução da indústria nacional de Defesa, tanto privada quanto estatal e, por último, a composição das Forças Armadas e a evolução do serviço militar obrigatório.


ABr: O senhor afirmou que a estratégia exigirá sacrifícios da Nação. A que tipos de sacrifícios estava se referindo?


Mangabeira: Além de tempo, recursos. Defesa custa dinheiro. Nada é mais caro do que independência nacional e esse é um problema angustiante para um país como o nosso, que precisa de hospitais, escolas, onde o povo vive cercado de carências.


Temos que encontrar uma maneira equilibrada para atendermos essas necessidades ao mesmo tempo em que nos defendemos. Isso não é fácil e não deve ser encarado com leviandande, como se fosse uma decisão que coubesse apenas a um presidente. Esse é o tipo de decisão que terá que ser sustentada ao longo do tempo pela Nação.


ABr: Quais as principais mudanças propostas para o serviço militar obrigatório?


Mangabeira: Até o momento, o único consenso é sobre a importância de mantermos sua obrigatoriedade. Isso vai contra uma tendência mundial, já que muitos países substituíram suas forças, compostas por recrutas, por forças integradas exclusivamente por soldados profissionais.


Um dos fatores que levou a isso foi o desejo das elites desses países de ter as mãos desatadas em suas aventuras militares, servindo-se de forças compostas unicamente por jovens pobres. Nós não seguiremos por esse caminho e essa é a única coisa que eu posso dizer de forma inequívoca.


ABr: O Exército afirma que a quase totalidade de seus recrutas são arregimentados entre jovens que, ao se alistarem, manifestam o desejo de servir. Não seria o caso de extinguir a obrigatoriedade, recrutando apenas os que quisessem ingressar na carreira militar?


Mangabeira: Hoje, o sistema funciona da seguinte forma. No papel, é obrigatório. Na realidade, é voluntário e serve quem quer. Com o aumento dos soldos, a pressão para ingressar na carreira militar aumentou ainda mais, de forma que os recrutas são, basicamente, jovens pobres.


Nós entendemos que a garantia mais profunda de defesa de nosso país é a identificação da Nação com suas Forças Armadas, e não que apenas uma parte dos brasileiros receba das demais partes para defendê-las. Em uma sociedade tão desigual quanto a nossa, o serviço militar obrigatório funciona como um nivelador republicano, um espaço no qual a Nação pode se encontrar acima das classes sociais.


ABr: Como conciliar as necessidades das Forças Armada com essa visão, já que não há como arregimentar todos os jovens em idade de servir?


Mangabeira: Caberá à Nação decidir dentre um amplo espectro de opções. Uma solução minimalista seria manter as coisas como estão, talvez apenas buscando proporcionar mais educação civil aos jovens cuja formação profissional é incipiente. Já a solução maximalista seria permitir que, entre todos os inscritos, as Forças Armadas pudessem escolher quem quisesse, mantendo a representação de todas as classes sociais e regiões do país.


Os que não prestassem o serviço miliar teriam então que prestar serviço social, de acordo com seus interesses e aptidões.


ABr: Mas o serviço militar alternativo já está previsto na Constituição Federal e, segundo as Forças Armadas, só não vem sendo posto em prática devido à falta de convênios com outros órgãos de governo que se responsabilizem por empregar essa mão-de-obra.


Mangabeira: Pois é. Essa é a primeira vez em que apresento essa idéia que alguém se lembra de que isso já está previsto na Constituição. Tratam-na como uma idiossincrasia. Uma evidência do quanto estamos desacostumados a uma discussão séria de nossos problemas de Defesa.


Agora, é bom frisar que entre as várias soluções possíveis, há muitas etapas intermediárias e muitas opções de meio-termo, e que qualquer que seja a decisão, a solução só será construída ao longo de vários governos, apoiada sobre uma ampla convergência nacional.


ABr: Que incentivos serão dados à indústria nacional?


Mangabeira: O Plano prevê a construção de um regime jurídico e regulatório especial para as empresas, que devem ser resguardadas das pressões do curto-prazo mercantil, assegurando-lhes a continuidade das compras públicas.


Em troca, o Estado brasileiro passaria a exercer um grande controle sobre elas, um poder que vai além dos limites de um outro comprador e que pode ser exercido de diferentes maneiras.


O importante é reconhecer que a indústria privada de Defesa não pode ser tratada como uma empresa qualquer, que ela precisa de resguardos especiais. Além disso, estamos convictos de que as empresas estatais de Defesa devem se dedicar a fabricar aquilo que as empresas privadas, por razões econômicas ou tecnológicas, não possam produzir. Também é necessário conciliar a pesquisa e a produção, pois hoje, temos pesquisas avançadas que não tem desfecho produtivo.


O último aspecto é que nossas colaborações com outros países sirvam para nos capacitarmos. Temos deixado claro aos nossos interlocutores estrangeiros que não seremos apenas compradores ou clientes. Seremos parceiros. E não basta transferir tecnologia para que nos interessemos por uma determinada parceria tecnológica.


ABr: O senhor acredita que a proposta de reconstrução da indústria brasileira enfrente resistência de outros países ou produtores estrangeiros?


Mangabeira: O risco de pressões e cerceamentos sempre existe, é a natureza do mundo, mas eu acredito que muitas das empresas privadas estrangeiras irão procurar oportunidades de trabalhar conosco.


Inicialmente, nossa proposta talvez provoque mais discussões fora do país do que dentro.

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